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E a educação baiana, quais os rumos diante dos seus desafios? Comecemos a pensar pelo Regime de Colaboração

Tenho feito um esforço de observação e espera quanto ao contexto político-educacional baiano, aguardando manifestações sobre o nosso contexto e sobre nossos desafios por lideranças educacionais e entidades. Temos visto muitas análises e posicionamentos (muitas preocupações) quanto ao contexto político-educacional brasileiro a partir da nomeação do novo ministro da educação e de sua equipe. Por mais que muitos de nós possamos tecer críticas ou concordar com o que o Prof. Luiz Carlos de Freitas em recente artigo chamou de “Sobralização da educação brasileira”, agora começamos a ter desenhado um projeto de gestão claro para a educação, onde é possível tecer análises mais fundamentadas e promover o debate de ideias quanto aos rumos da educação brasileira. No entanto, sinto falta desta mesma disposição de debate sobre a educação baiana.

O destaque que o município de Sobral e o Estado do Ceará ganharam durante os últimos anos e agora são coroados com a coordenação da educação nacional com o novo governo federal, é resultado de um trabalho, de um projeto de anos. Na ausência de referências no campo progressista de experiências educacionais de gestão pública mais alinhadas com as concepções críticas de educação, o Ceará tem ocupado esse espaço de referência, com todas as críticas que possamos tecer. Mas, meu intuito aqui não é promover análise sobre essa pretensa “Sobralização da educação brasileira”, e sim tentar quebrar o silêncio que reina sobre os rumos da educação baiana diante dos seus desafios.

Desde 2009, quando tive a oportunidade de ser Dirigente de Educação do município de Planaltino/Bahia, passei a acompanhar mais de perto os bastidores dos espaços institucionais da educação baiana, a partir da relação do município com os governos do Estado e Federal. Com a criação em 2010 do Fórum dos Secretários de Educação do Vale do Jiquiriçá (Educavale), onde promovemos intensos e produtivos diálogos para implantação de polos de formação inicial nos municípios do Vale em parcerias com as Universidades Públicas através do Programa Nacional de Formação de Professores (Parfor), fui compreendendo a potencialidade do diálogo institucional horizontalizado para viabilização de políticas, programas e projetos que efetivamente atendam as necessidades dos municípios.

Esse movimento culminou em 2011 com a articulação a partir dos municípios do Vale do Jiquiriçá, da Chapada Diamantina e de vários outros Territórios de Identidade para a Ressignificação da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, seccional do Estado da Bahia (Undime/Bahia), onde cheguei a ocupar a vice-presidência e começamos ali com um grupo muito comprometido de dirigentes de educação um processo de interiorização das discussões das políticas educacionais.

Trago esse breve histórico para contextualizar que neste período, a Bahia iniciava um processo que perspectivava ser tão ou mais promissor que a própria experiência do Estado do Ceará, quanto ao trabalho de articulação entre Estado e Municípios. Em 2009 não tínhamos ainda o Fórum Permanente de Apoio a Formação Docente (Forprof), e a articulação para implementação do Parfor era realiza pelo Instituto Anísio Teixeira (IAT), órgão responsável pela política de formação da Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC/BA). O IAT, naquele contexto inicial do Parfor, a partir da nossa provocação no Educavale, mobilizou as Instituições Públicas de Ensino Superior (IPES) para um diálogo horizontalizado junto com os municípios no intuito de buscar estratégias de atendimento das necessidades de formação inicial. O resultado foi brilhante, com a criação de vários Polos de Formação nos próprios municípios. Cabe aqui também um destaque, que naquele contexto, o IAT vivia um movimento formacional de extrema efervescência. Quando chegávamos no IAT, encontrávamos movimentos sociais e educadores de diversas modalidades da educação pública ocupando aquele espaço em diversas frentes de formação.

A Secretaria da Educação do Estado da Bahia também iniciava (desde 2008) uma belíssima experiência de articulação, a partir da Superintendência de Acompanhamento e Avaliação do Sistema Educacional (SUPAV/SEC/BA) com o Programa de Apoio à Educação Municipal (PROAM), que desenvolvia estratégias para integração e melhoria da qualidade da educação, assim como, prestava atendimento aos municípios, de forma a assegurar uma distribuição proporcional de responsabilidades através de assistência técnica. O PROAM desenvolveu ações com base nas demandas das redes municipais, e também buscando atender preceitos da legislação federal. Além de pensar e desenvolver ações próprias, o PROAM era a ponte entre ações do Governo Federal e os municípios. Desta forma, várias foram as ações: o Projeto de Assessoramento à Elaboração, Avaliação e Adequação do Plano Municipal de Educação (PME), o Projeto de Acompanhamento e Implementação do Plano de Ações Articuladas (PAR); o Assessoramento à Elaboração do Plano de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério (PCR), o Projeto de Reestruturação de Secretarias Municipais de Educação (PARES), o Projeto de Fortalecimento do Conselho Municipal de Educação (CME), o Programa Formação pela Escola, implementado em parceria com o Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Programa de Capacitação a Distância para Gestores Escolares (PROGESTÃO).

Por conta da limitação orçamentária, algumas ações do PROAM eram limitadas a uma pré-determinada quantidade de municípios. Compreendo que o PROAM foi extremamente importante para o fortalecimento das políticas municipais, mas que, este necessitava de ajustes e sobretudo ampliação do alcance de suas ações, uma vez que algumas não atendiam a totalidade dos municípios.

O PROAM era tão estratégico, que quando em 2011 o Ministério da Educação resolveu criar acertadamente a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE), foram realizadas visitas ao PROAM por técnicos do MEC para conhecer o seu funcionamento, suas ações e projetos. A experiência do PROAM com o assessoramento aos municípios para elaboração dos Planos Municipais de Educação, por exemplo, foi uma exemplaridade importante para que a SASE organizasse o processo de apoios aos municípios para elaboração dos planos de educação à luz do Plano Nacional de Educação aprovado em 2014.

No entanto, mesmo tendo em nosso contexto baiano um grupo político que está no governo desde 2007, as mudanças de secretários de educação que ocorreram neste no período de 2007 a 2019 tiveram como consequências várias rupturas, sobretudo de ações que precisavam ser potencializadas, melhoradas, e o PROAM foi uma delas. O PROAM resistiu bravamente até 2017 chegando quase a virar uma Superintendência em sua trajetória de vida, mas, a partir daí foi transformado para menor em uma Coordenação, que viu suas ações esfarelarem.

Para os municípios baianos, em um contexto onde tivemos um Governo Federal que extinguiu a SASE, ver também no âmbito estadual o fim do PROAM foi um grande retrocesso. Enquanto isso o Estado do Ceará manteve e mantém até hoje em sua estrutura uma Secretaria Executiva de Cooperação com os Municípios que conta com duas coordenações: Coordenadoria de Cooperação com os Municípios para Desenvolvimento da Aprendizagem na Idade Certa e a Coordenadoria de Educação e Promoção Social.

Os objetivos do PROAM eram muito potentes e seu fortalecimento poderia sim ter colocado a Bahia no mínimo ao lado do Ceará como uma referência do campo progressista em gestão educacional: Incentivar e assessorar os municípios na construção de uma cultura de planejamento participativo com foco na qualificação do processo ensino-aprendizagem e consequentemente na melhoria dos indicadores educacionais; Assessorar as secretarias municipais de educação na elaboração/adequação, acompanhamento e avaliação do plano municipal de educação, com participação da sociedade civil; Promover a elaboração e o acompanhamento da execução do Plano de Ações Articuladas dos municípios; Apoiar a formação continuada de gestores escolares e gestores dos sistemas municipais de ensino, visando à democratização da gestão educacional; Orientar para organização de mecanismos e processos de gestão democrática na rede ou sistema municipal de ensino; Promover a socialização de experiências exitosas na gestão de sistemas municipais de ensino.

Em 2019, quando o atual governador, Jerônimo Rodrigues, assumiu a Secretaria da Educação do Estado da Bahia, convidou a Undime/BA para um diálogo e solicitou que a mesma apresentasse uma proposta de regime de colaboração. Eu fiz parte da equipe da Undime/BA que passou boa parte dos dias de carnaval de 2019 dentro da SEC/BA elaborando entusiasmadamente essa proposta.

A proposta propunha uma nova estrutura de apoio e fortalecimento do Regime de Colaboração com os Municípios, que teria como base a assistência técnica aos municípios baianos, através de adesão para suas ações, respeitando a autonomia de cada município. O pilar do trabalho seria a garantia do direito a aprendizagem de todos os baianos e baianas, a partir de um trabalho colaborativo entre Estado e Municípios.

A sugestão foi de criação dentro da Secretaria da Educação do Estado da Bahia de uma estrutura para a articulação e apoio técnico aos municípios baianos. Esta estrutura, que poderia ser uma Superintendência, seria composta por uma equipe técnica que teria a responsabilidade de, em articulação com os municípios, pensar ações, programas, projetos que pudessem contribuir para garantia do direito à aprendizagem. Esta equipe técnica também teria a responsabilidade de articulação com diversos outros atores e sujeitos do processo educacional como a União dos Conselhos Municipais de Educação/UNCME-BA, Ministério da Educação, Universidades Públicas, Institutos Federais, Conselho Estadual de Educação/CEE, União dos Prefeitos da Bahia/UPB, União dos Vereadores da Bahia/UVB, Fóruns de Educação (Fórum Estadual de Educação, de Educação de Jovens e Adultos, Educação Integral, Educação Infantil, de Educação do Campo, de Educação Especial etc.), sendo essa articulação fundamental para implementação de ações conjuntas com a única finalidade de garantia da aprendizagem.

Esta nova estrutura, que poderia sim por sua importância ser uma Superintendência, tomaria como base para a articulação com os municípios, o princípio já adotado pelo Governo do Estado da Bahia, de territorialidade. A base do trabalho de articulação seria através do fortalecimento do diálogo territorial em educação, a partir de experiências que já estão em curso em alguns territórios do Estado da Bahia, como no Vale do Jiquiriçá, através do Fórum de Secretários de Educação dos Municípios do Vale do Jiquiriçá (Educavale). A Lei 13.005/2014, que instituiu o Plano Nacional de Educação, estimula no § 7o do art. 7º que o fortalecimento do regime de colaboração entre os Municípios aconteçam mediante a adoção de arranjos de desenvolvimento da educação. O próprio Plano Estadual de Educação da Bahia, em seu Art. 8º, reforça esse princípio legal, e ainda aponta o consorciamento como modelo de articulação territorial. No entanto, minha defesa é que estes modelos de arranjos sejam tomados como política pública e não como consorciamento gerenciado pela iniciativa privada.

A estrutura da própria Undime/BA, conta com Polos Regionais, que agrupam os municípios seguindo a mesma organização territorial administrativa do Governo do Estado. Alguns destes Polos já se reúnem com certa frequência, outros com menor periodicidade. O fortalecimento deste diálogo territorial, seria estrategicamente fundamental para potencializar essa articulação e consequentemente o Regime de Colaboração. Isso está demonstrado nas experiências a partir dos Polos que conseguem se reunir com maior frequência. Sem dúvidas seria mais estratégico para a Secretaria da Educação do Estado da Bahia o diálogo com os municípios através de 27 Territórios organizados, do que ter que dialogar individualmente com cada um dos 417 municípios.

Portanto, a ação primordial seria o assessoramento técnico para o funcionamento e fortalecimento de Fóruns Territoriais de Educação, com orientações que partissem da sistematização das experiências territoriais que já estão em curso no Estado da Bahia. Esta articulação e fortalecimento do trabalho territorial, passaria pelo envolvimento efetivo dos Núcleos Territoriais de Educação (NTE’s), braços da Secretaria da Educação em cada Território, ressignificando sua atuação. Desta forma, caminharíamos para ter no Estado, 27 espaços de diálogo permanente entre os municípios, com o apoio técnico e presença da Secretaria da Educação do Estado e Undime.

Nesse sentido, a equipe técnica desta nova Superintendência, que poderia se chamar de Cooperação com os Municípios, apoiaria e orientaria a criação e/ou fortalecimento destes Fóruns, que são e continuariam sendo geridos pelos dirigentes municipais de educação atendendo normas específicas a serem estipuladas, contando com uma estrutura dentro da Secretaria da Educação da Bahia para o apoio necessário.

Em seu funcionamento, cada Fórum teria uma primeira tarefa de realizar um diagnóstico comum entre os municípios do território, elencando as principais demandas comuns. Estas demandas, serviriam de base para o planejamento de ações, programas e projetos de assessoramento, tendo sempre como foco o pilar da aprendizagem. Diante do diagnóstico, também seria estimulado a troca de experiências entre os municípios de cada território, com objetivo de trabalho colaborativo, com vistas a superação de desafios.

Com os Fóruns Territoriais de Educação articulados, a partir de um diagnóstico junto aos municípios, seria possível elencar quais as maiores demandas de suas redes, e com isso pensar ações e projetos de apoio técnico que poderiam efetivamente contribuir com a garantia do direito de aprender de nossos estudantes. O diagnóstico é um instrumento importante, e aliado a ele, deveria se levar em consideração possíveis ações de apoio tendo como base ou centro das ações os Planos Decenais de Educação.

Dessa forma, teríamos ações pensadas e elaboradas com base no diagnóstico dos Territórios, e também por meio da articulação de ações em regime de colaboração com os Governos Federal, Estadual e Municipais a partir da elaboração conjunta de uma Matriz de Responsabilidades envolvendo os entes federados e, inclusive, as escolas foco desta demanda.

Como exemplo, se aparece como demanda no diagnóstico dos Territórios: a necessidade de criação ou revisão/Criação das Leis dos Sistemas de Educação (hoje temos Leis de Sistemas de Ensino), ou, organização de secretarias, ou implantação/adequação/elaboração dos Novos Currículos, essa estrutura elaboraria uma ação de assistência técnica para orientar os municípios. É importante na elaboração de ações, programas e projetos, estabelecer parcerias e diálogos com organizações, instituições, movimentos que tenham experiência na temática específica. Ai entra também a aproximação com as Universidades Públicas Baianas, através dos seus diversos grupos de pesquisa em educação.

Portanto, a retomada de ações que foram vivenciadas com o PROAM eram e ainda são possíveis, bem como o surgimento de novas ações a partir do diagnóstico articulado com os Planos Decenais de Educação. A articulação das ações do Governo Federal com os municípios, que necessitam da parceria do Governo Estadual, também ficaria nesta nova estrutura.

Essa nova Superintendência seria um espaço efetivo de diálogo permanente, que reuniria os diferentes sujeitos e atores interessados no fortalecimento e efetivação do Regime de Colaboração, tendo entre suas tarefas, a proposição, validação das ações, programas e projetos, incluindo definição de critérios para montagem das equipes de trabalho, respeitando e compreendendo a autonomia de gestão da Secretaria da Educação do Estado, que tem o papel de órgão executor, gestor das políticas públicas.

Dentro desta proposta apresentada em fevereiro de 2019, elencamos ainda as seguintes ações de assistência técnica: Estruturação e Fortalecimento dos Polos Territoriais de Educação; Projeto de Assessoramento à Elaboração, Avaliação e Adequação do Plano Municipal de Educação (PME); Assessoramento à Elaboração do Plano de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério (PCR); Projeto de Reestruturação de Secretarias Municipais de Educação, Reordenamento de Rede e Municipalização; Projeto de Fortalecimento dos Conselhos Municipais na área de Educação; Ação de assessoramento para implementação da Meta 19 do PNE (Gestão Democrática); Ação de assessoramento para implantação da BNCC.

Infelizmente, essa proposta foi engavetada sem apresentação de nenhuma outra alternativa, e o que vivenciamos a partir daí de 2020 a 2022 no Estado da Bahia, apesar do termo Regime de Colaboração ter se tornado uma retórica recorrente nos diversos espaços, foram ações desarticuladas, sobretudo no contexto da pandemia da Covid-19 e da formação continuada. As consequências disso é um silêncio que eu chamo de ensurdecedor sobre as consequências da falta de uma estrutura formal de articulação entre Estado e Municípios para a educação, sobretudo para a rede estadual.

Os municípios também possuem seus desafios, que demandam esforços internos, mas sobretudo apoios externos tendo como base as responsabilidades constitucionais de cada ente federado. O Ministério da Educação anunciou a recriação da SASE, e o Governo do Estado da Bahia? Qual o anuncio até agora? Uma Doutora em Saúde Pública para a gestão da educação, isso basta? Essa última pergunta não é tentativa de desqualificar de forma alguma a capacidade da indicada, isso seria muito leviano, pelo contrário, penso que ela foi escolhida justamente por ter comprovada competência, no entanto, temos o direito de manifestar que o anúncio frustra aqueles e aquelas que vivenciam cotidianamente a educação básica pública, trabalhando, estudando, pesquisando a partir das realidades concretas. A mensagem inicial que fica é que (aos olhos de quem fez a escolha) parece não existir entre as educadoras e educadores baianos da educação, sobretudo da educação básica, alguém com a mesma capacidade da Médica para gerir a educação pública baiana!

Enfim, a Bahia que tinha tudo para ser protagonista no campo educacional, parece ter virado expectadora! Será que seguiremos a reboque das políticas federais ou recuperaremos nossa tradição de contribuir para pensar as políticas educacionais? Isso é uma decisão política, que ainda não está clara!

 

Renê Silva

Renê Silva, Doutorando em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Pedagogo, Especialista em Gestão Educacional, Especialista em Fundamentos Sociais e Políticos da Educação e Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.