As eleições municipais foram concluídas na grande maioria dos municípios no último dia 15 de novembro, definindo seus futuros gestores e legisladores. Agora, na educação, é retomada com força as preocupações sobre a finalização do ano letivo 2020 e planejamento do ano letivo 2021.
No artigo anterior, “Ano letivo escolar 2020 e a exposição das fragilidades do Regime de Colaboração”, eu abordei algumas reflexões sobre a validação ou não do ano letivo 2020, retomada ou não das aulas presenciais e as fragilidades que se apresentam para o Regime de Colaboração. Quem não leu, indico que vale a pena a leitura crítica. Clique aqui!
Ainda estamos nós, em um cenário de incertezas sobre como finalizar o ano letivo 2020 e ao mesmo tempo planejar o ano letivo 2021. Continuo insistindo que é necessário um alinhamento, entre os entes federados, quanto a uma data ou período limite para conclusão do ano letivo 2020, pois, sem uma data ou período pré-estabelecido entre os sistemas de ensino, fica inviável um planejamento real e executável quanto a reorganização do calendário escolar. Não dá, sob o mantra do discurso da autonomia, dizer que cada sistema de ensino tem liberdade para essa decisão. A autonomia deve observar os limites da Lei e das diversas normativas vigentes. Inúmeras políticas, como a de financiamento por exemplo, está imbricada com a matrícula e movimentação de estudantes nos sistemas e entre os sistemas de ensino.
Na ausência da União na coordenação deste processo, vivemos em um ambiente de incertezas quanto a como ficará o Censo Escolar e a transferência de recursos para educação que tomam como base a matrícula de estudantes. Outro desafio, é que não temos ainda no horizonte, clareza de quando será possível o retorno das aulas presenciais, o que dificulta mais ainda o planejamento da finalização do ano letivo 2020. O Parecer CNE/CP 9/2020 de 8 de junho de 2020 que reexamina o Parecer CNE/CP nº 5/2020, que tratou da reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19, reforçou para os sistemas de ensino três possibilidades para cumprimento da carga horária mínima estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB): a) a reposição da carga horária de forma presencial ao fim do período de emergência; b) a realização de atividades pedagógicas não presenciais (mediadas ou não por tecnologias digitais de informação e comunicação) enquanto persistirem restrições sanitárias para presença de estudantes nos ambientes escolares, garantindo ainda os demais dias letivos mínimos anuais/semestrais previstos no decurso; c) a ampliação da carga horária diária com a realização de atividades pedagógicas não presenciais (mediadas ou não por tecnologias digitais de informação e comunicação) concomitante ao período das aulas presenciais, quando do retorno às atividades.
Na nossa realidade baiana, apesar de termos municípios que optaram pelas possibilidades “a” e “c”, a grande maioria se enquadra na opção “b”. Contudo, com a incerteza de quando será possível o retorno das aulas presenciais, cria-se um dificultador para o planejamento de finalização do ano letivo, uma vez que se compreende a impossibilidade de finalizar um ano letivo apenas com atividades remotas.
Bom, mas gostaria de abordar um aspecto que para mim pode ser o grande diferencial neste contexto, que desafia não apenas a gestão administrativa, mas sobretudo a gestão pedagógica dos sistemas de ensino. Somos ainda extremamente presos ao processo de educação bancária, tão denunciado por Paulo Freire, e ao processo presencial, a educação formal acontecendo apenas no prédio escola. Daí vem as provocações freirianas do Prof. José Pacheco, de que “a escola não é um edifício, são as pessoas”.
Ainda no artigo anterior, pontuei que “poucos gestores tiveram a iniciativa de pensar alternativas que pudessem diminuir a desigualdade social e educacional na promoção de atividades remotas, como por exemplo com o investimento na compra de equipamentos para estudantes, acesso a conectividade e formação para os professores sobre uso de recursos e ferramentas digitais”. Neste sentido, como exemplaridade e inspiração, quero mesmo que de forma breve, socializar a iniciativa que o município de Planaltino, localizado no Território de Identidade do Vale do Jiquiriçá, teve em seu planejamento diante dos desafios impostos pelo atual contexto.
Ainda no mês de maio, o município, dialogando sobre o cenário da pandemia, chegou a compreensão de que o retorno das aulas presenciais não ocorreria tão cedo. Neste sentido, procurou ampliar e reorganizar o trabalho com as atividades remotas, e na implementação destas atividades, o monitoramento foi apontando que a desigualdade social era um fator que agravava o acesso e desenvolvimento daquilo que estava sendo proposto, prejudicando ainda mais a garantia do direito à aprendizagem.
A gestão do município começou a analisar que com a suspenção das aulas presenciais, alguns recursos que o município investia começaram a ficar em caixa, como transporte escolar, diminuição nos gastos com combustível e alguns recursos de manutenção. Chegou-se ao entendimento que, mesmo com o retorno das aulas presenciais em um futuro, seria inevitável o uso de recursos e ferramentas digitais como complementares ao processo de estudo, como estratégia de ampliação da carga horária e oportunidades de aprendizagens.
Foi aí que o município começou a mapear de forma detalhada o acesso a conectividade dos estudantes e sua famílias, para traçar um planejamento de investimentos para uso de recursos e ferramentas digitais. Neste levantamento, constatou-se que os 1729 alunos da rede estavam distribuídos em 1190 famílias. Dos 1729 alunos, 390 estão na Educação Infantil, 174 no Ciclo de Alfabetização do Ensino Fundamental (1º e 2º), 345 estão nos 3º, 4º e 5º anos do Ensino Fundamental, 558 nos anos finais do Ensino Fundamental e 262 na Educação de Pessoas Jovens, Adultas e Idosas. Das 1190 famílias, 544 (45,7%) famílias informaram ter internet em casa e 285 (23,9%) informaram ter internet no celular. 497 (41,8%) famílias informaram ter celular e 70 (5,9%) famílias possuírem computadores ou notebook.
No entanto, o levantamento também apontou que dos 1729 alunos, apenas 408 (23,6) alunos tinham celular e destes apenas 123 (7,1%) alunos tinham acesso a internet no celular. Quanto a acesso a computador ou notebook, apenas 35 (2%) alunos e acesso a tablet 15 (0,9%).
Portanto, o município estava diante de uma grave situação de problemas de acesso a conectividade, e compreendeu que precisaria investir em ações que pudessem diminuir esse cenário de desigualdade.
O caminho traçado pelo município, foi de fazer um investimento pensando não apenas no contexto atual, mas olhando para as possíveis consequências para o ano 2021 e possivelmente também 2022. Desta forma, o planejamento contemplou investimentos em equipamentos (tablet educacionais) para os estudantes, instalação de mais de 250 pontos de internet wifi em todas as localidades rurais e também na sede do município, e formação para os profissionais de educação aprenderem a usar recursos e ferramentas digitais para o desenvolvimento de atividades remotas e ensino híbrido.
A opção pedagógica, foi pela implementação do uso de recursos e ferramentas digitais alinhados com a proposta pedagógica da rede e das escolas. Portanto, a formação para os profissionais da educação tem como foco aprender a usar pedagogicamente recursos ofertados pelo Google For Education, como instrumentos que possam manter e potencializar a interação pedagógica entre professores e estudantes.
A disponibilização de tablet com internet wi fi para os estudantes, visa garantir que todos possam ser incluídos no processo, e terem garantidos a inclusão neste novo processo de trabalho remoto e posteriormente de ensino híbrido. No planejamento, o município organizou para o ano de 2020 a formação dos professores, disponibilização de plataforma e e-mails do G Suítes para todos os estudantes e professores, e compra com distribuição de tablets para todos os estudantes dos anos finais do ensino fundamental. A implantação do projeto segue sua ampliação para 2021, com os investimentos em internet e compra de tablets para os estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental e educação de jovens, adultos e idosos.
Alguns outros municípios também têm planejado caminhar nesta mesma direção de Planaltino. É o único caminho? Acredito que não, mas o que é preciso justamente, é canalizar as energias para pensar alternativas que possam diminuir a desigualdade socioeducacional. Não dá apenas para ficar tendo como foco “o quando as aulas presenciais voltarão”, pois mesmo a volta das aulas presenciais, não darão conta das consequências impostas por esse contexto. É preciso caminhos, estratégias que proporcionem aos nossos estudantes oportunidades efetivas que busquem garantir o direito de aprendizagem, e para isso, investimentos são necessários.
Prof. Renê Silva
Pedagogo, Mestre em Educação pela UESB