A Lei 13.005/2014 que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE) estipula 20 metas para que em 10 anos o Brasil melhore a qualidade de sua educação. No entanto, algumas metas exigem dos sistemas de ensino, em específico dos municípios, uma mudança, ou melhor, uma ruptura com uma cultura clientelista de apadrinhamento politiqueiro.
Neste artigo, quero me deter a meta 19, que trata da gestão democrática da educação. Segundo o PNE, os sistemas de ensino devem “assegurar condições, no prazo de 2 anos, para a efetivação da gestão democrática da Educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto”. Os municípios elaboraram seus planos de educação, que obrigatoriamente tiveram que prever uma meta alinhada com a meta do PNE que assegure condições para efetivação da gestão democrática.
Ora, se a meta 19 do PNE prevê como prazo 2 anos, e levando em conta que o PNE foi sancionado em 25 de junho de 2014, obrigatoriamente a meta dos planos municipais que aborda a gestão democrática deveria seguir o prazo do PNE, tendo portanto até 25 de junho de 2016 para essa efetivação.
Acontece que, em muitos municípios, além de não existir nenhuma regulamentação para efetivação da gestão democrática, reina uma cultura de centralização das decisões na gestão administrativa das secretarias de educação. Muitos conselhos são compostos em sua maioria por pessoas ligadas a gestão municipal, cargos de gestores escolares são preenchidos por indicação política, que muitas vezes não segue nenhum critério técnico.
Alguns municípios, ao estipular sua meta de gestão democrática no Plano Municipal de Educação (PME), numa tentativa de fugir da obrigatoriedade de efetivação da gestão democrática, mudou o prazo da meta para além de 2016. Ora, se a meta nacional estipula como prazo 25 de junho de 2016, todos os sistemas de ensino devem seguir esse prazo para que a meta nacional se efetive. Se um município não seguir esse prazo, a meta nacional não se efetivará. Acontece que, o ano de 2016 é um ano de eleições municipais, e será que os prefeitos irão querer tirar dos cargos seus “cabos eleitorais”?
Bom, a questão é que a efetivação da gestão democrática é Lei, e mais que isso, é uma luta histórica de todos os educadores e entidades representativas dos diversos segmentos educacionais. Existem pessoas, que por apadrinhamento político estão no cargo de diretor de escola a mais de 10 anos, o que fere o princípio da democracia, uma vez que a permanência no cargo é por indicação e não por eleição.
O fato é que as estratégias do PNE são claras para que a gestão democrática de fato se efetive. A estratégia 19.1 deixa claro que o repasse de transferências voluntárias da União na área da educação deve priorizar “os entes federados que tenham aprovado legislação específica que regulamente a matéria na área de sua abrangência, respeitando-se a legislação nacional, e que considere, conjuntamente, para a nomeação dos diretores e diretoras de escola, critérios técnicos de mérito e desempenho, bem como a participação da comunidade escolar”. Portanto, os municípios que insistirem em não assegurar a gestão democrática, poderão ter prejuízos no repasse de transferências voluntárias da União.
Mas, a gestão democrática não se restringe apenas a escolha dos diretores e diretoras de escola. A estratégia 19.2 prevê a ampliação de programas de apoio e formação dos conselheiros dos conselhos dos “conselhos de acompanhamento e controle social do Fundeb, dos conselhos de alimentação escolar, dos conselhos regionais e de outros e aos (às) representantes educacionais em demais conselhos de acompanhamento de políticas públicas, garantindo a esses colegiados recursos financeiros, espaço físico adequado, equipamentos e meios de transporte para visitas à rede escolar, com vistas ao bom desempenho de suas funções”.
Os sistemas de ensino devem ainda constituir Fóruns Permanentes de Educação, com o intuito de coordenar as conferências municipais, estaduais e distrital bem como efetuar o acompanhamento da execução deste PNE e dos seus planos de educação, é que está claro na estratégia 19.3. Já a estratégia 19.4 deixa claro que deve ser estimulado, em todas as redes de educação básica, “a constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais, assegurando-se-lhes, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulação orgânica com os conselhos escolares, por meio das respectivas representações”.
A efetivação da gestão democrática exige ainda, como fica claro na estratégia 19.5, o estimulo a “constituição e o fortalecimento de conselhos escolares e conselhos municipais de educação, como instrumentos de participação e fiscalização na gestão escolar e educacional, inclusive por meio de programas de formação de conselheiros, assegurando-se condições de funcionamento autônomo”.
A participação do trabalho pedagógico da escolar também está assegurada nas estratégias 19.6 e 19.7, com o estimulo “a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos (as) e seus familiares na formulação dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos escolares, assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e gestores escolares”, e também com a garantia “de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos estabelecimentos de ensino”.
Por fim, a estratégia 19.8 deixa clara a necessidade de “desenvolver programas de formação de diretores e gestores escolares, bem como aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos, cujos resultados possam ser utilizados por adesão”.
Assegurar a efetivação da gestão democrática é fundamental para o processo de efetivação de uma educação pública de qualidade. Os sujeitos envolvidos no processo educacional precisam ter seu direito de participação efetivamente assegurados. Não há mais como conviver com espaços de participação que são outorgados por aqueles que estão a frente da gestão municipal, onde as pessoas comparecem apenas para validar o que alguns já decidiram. Também não é mais possível conviver com pessoas que estão a frente da gestão escolar apenas por indicação de políticos, ainda mais nos casos em que estas pessoas nem sequer fazem parte do quadro de servidores efetivos do município.
Estar a frente do processo educativo de uma unidade escolar, pressupõem aprovação da comunidade escolar e também o preenchimento de critérios técnicos. Não há mais como ser gestor escolar sem saber lidar com as tecnologias, sem saber interpretar dados educacionais, sem saber lidar com situações de conflitos ou sem estar aberto para aprender sempre.
Renê Silva, Pedagogo e Mestre em Educação pela UESB.
Colunista do Itiruçu Online.