O surto de gripe em Salvador começou a lotar as emergências dos hospitais privados. Mesmo com plano de saúde, a demora por atendimento pode chegar até quatro horas, a depender da gravidade do quadro, de acordo com o presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Asheb), Mauro Adan. Segundo ele, o volume de pacientes dobrou nas últimas duas semanas na capital baiana.
No Hospital Aeroporto, esse aumento foi mais de 500%. No Hospital da Bahia, chegou a quadruplicar, e, no Cárdio Pulmonar, da Rede D’or, cresceu 70%, só de pacientes com síndrome respiratória grave. Por conta disso, a unidade criou uma ala específica para tratar pacientes com influenza, como fizeram com a covid-19. Além disso, as unidades particulares tiveram que remanejar equipes para o setor de urgência e emergência e contratar mais médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem a fim de suprir a demanda.
A emergência do Santa Izabel, que atende, diariamente, em torno de 140 a 150 pacientes, recebeu 279 por dia na última semana – um aumento de mais de 80%. No Hospital da Bahia, até a primeira semana dezembro, havia uma média de 35 fichas abertas no setor de fluxo respiratório e 110 fichas no total, na emergência. A partir da semana passada, esses números passaram a ser entre 100 e 140, e 200 a 250. Para se adequar à demanda, houve um aumento não só da equipe médica, mas também na recepção, segurança e logística operacional.
A advogada Ylissa Morais, 32, e o noivo, o médico veterinário João Gabriel Mascarenhas, 34, que estava com sintomas gripais, tiveram que rodar três hospitais privados de Salvador na terça-feira (14). O casal foi, primeiro no Jorge Valente, na Garibaldi. “Estava tão cheio que tinha gente do lado de fora, em pé, na rampa”, conta Mascarenhas. Depois, eles seguiram para o Hospital Português, na Graça. Foram 40 minutos só para achar uma vaga de estacionamento e descobrir que a unidade não aceitava mais o plano de saúde dele, o Sul America.
Cenário de guerra
Por fim, eles seguiram para o Hospital da Bahia, na Pituba. Só que, a fila estava tão grande, que eles desistiram de esperar e voltaram para casa sem atendimento. “A emergência estava um caos, tinham mais de 50 pessoas esperando. Muita gente idosa, gente de cadeira de rodas, mulher desmaiada, muita gente em pé, sem ter onde sentar. Foi uma cena de guerra”, relata a Ylissa.
Depois de uma hora só para passar pela recepção, a própria atendente foi sincera. “Ela estava com aspecto de cansada e que ia atender gente que tinha chegado 5h, 6h da manhã. E isso era mais de 11h”, completa João Gabriel. De casa, o veterinário agendou uma teleconsulta para o dia seguinte. Com exame de covid-19 negativo, ele ficou melhor dos sintomas com antibiótico e dipirona. O veterinário tinha tomou vacina contra gripe neste ano. O casal também relatou que mais seis amigos apareceram gripados, nos últimos dias.
Um homem que não quis se identificar, com quadro de febre, relatou alta demanda também no Hospital São Rafael. “Liguei para perguntar se eles aceitavam o plano e eles disseram que tinha muita gente na emergência, 150 pessoas na minha frente. Então, acabei desistindo e comprei paracetamol na farmácia”, relata. O episódio ocorreu na quarta-feira (15).
Em nota, o São Rafael disse que “tem registrado um aumento significativo no fluxo de atendimento na emergência, com incremento de casos com sintomas gripais, como febre, tosse e dor no corpo”. Por isso, a unidade alegou que a demora está maior para os pacientes. Segundo o hospital, estão sendo adotadas providências para minimizar os impactos da demora e garantir o fluxo de atendimento, de acordo com critérios de gravidade. O mesmo foi dito pelo Hospital Aliança.
Durante a madrugada, o Jorge Valente apresentou movimento além do normal, segundo uma paciente. “Tinha lugar para todo mundo sentar e não tive nenhum transtorno, mas, pelo horário, estava mais cheio que o normal”, conta uma estudante, que também não quis se identificar. Por estar com quadro grave, vomitando, ela foi atendida em menos de 30 minutos. O hospital não enviou posicionamento até o fechamento desta matéria.
Ala específica
O Cárdio Pulmonar abriu uma ala específica para pacientes com sintomas respiratórios, devido ao aumento de 70% nos atendimentos da emergência. “Quase todo esse aumento veio de pacientes com sintomas respiratórios. Aumentou abruptamente nas últimas duas semanas e fizemos as adaptações, para conseguir atender os pacientes com mais rapidez”, constata o diretor-geral do hospital, Eduardo Darze.
Por dia, são cerca de 90 a 100 pessoas atendidas na unidade, só com quadro gripal. Antes da epidemia, o atendimento total da emergência era, no máximo, 80 pessoas. A maior parte dos casos, no entanto, é de baixa gravidade. “Os pacientes estão com sintomas mais leves, bate na emergência e volta para casa. Uma pequena parcela que precisa de hospitalização. A maioria quer um alívio sintomático e não precisa de muito tempo de observação”, afirma Darze.
Segundo ele, a população está mais alerta e temerosa, por conta da semelhança dos sintomas da influenza com o novo coronavírus. “A população que está com sintoma gripal está com resquício de medo e insegurança relativa à covid, então ela tem ido mais frequentemente para a emergência, mas a influenza é uma doença menos grave, caracterizada por um início mais abrupto. Já a covid tem o início dos sintomas de forma mais gradual”, avalia o diretor-geral do Cárdio Pulmonar. Até a terça-feira (21), duas mortes por influenza foram confirmadas na Bahia, as duas de Salvador, e outros dois óbitos estão em investigação.
8% dos casos são covid
No Hospital Aeroporto, a quantidade de testes para covid-19 feitos por dia cresceu de 9 para 55 nos últimos dias. “A urgência e emergência tiveram um aumento enorme, de cinco vezes o número de atendimento e as pessoas estão chegando com quadros gripais. Em uma semana, das 180 coletas feitas, somente 8% deram positivas para covid. Ou seja, o restante, provavelmente, deve ter sido a influenza H3N2”, revela o infectologista Antônio Bandeira, coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) do hospital.
Para adaptar-se à demanda, a unidade tem remanejado as equipes e aumentado a carga horária dos funcionários dos laboratórios. Ele alerta que, como a vacina contra gripe disponível na campanha de imunização deste ano não protege contra a nova cepa, é preciso manter o cuidado. “As pessoas precisam entender que a vacina não impede que você não pegue a influenza, porque a atual cepa que está circulando é a Darwin. Por isso, é preciso continuar usando máscara, mantendo o distanciamento e higienizando as mãos”, orienta Bandeira.
No Teresa de Lisieux, administrado pela Hapvida, houve uma leve queda no número de atendimentos nas unidades de urgência e emergência, desde segunda-feira (20). No entanto, houve aumento ao longo de todo o ano. De acordo com a diretora médica regional, Talita Freire, o sistema de saúde tem investido na estrutura e na contratação de novos profissionais em toda a rede da capital e, que, apesar da alta demanda de pacientes com sintomas gripais, a maioria dos casos têm se mostrado leves, não refletindo em igual número de internações.
Os hospitais Português e Jorge Valente não responderam à reportagem até o fechamento desta matéria.
Qual o melhor momento para ir à emergência?
O presidente da Asheb – que, ironicamente, se recupera de uma gripe – alerta que mais da metade dos casos nas emergências dos hospitais particulares são de síndromes gripais. Contudo, a maioria deles é com sintoma leve e poderia ser atendido em consultório.
“Existe uma visão, às vezes, equivocada de quando procurar emergência. A pessoa que está com estado de gripe leve, sem sintomas graves, sem falta de ar, sem febre e sem dor de cabeça intensa, pode ir para um clínico ou uma instituição de saúde de confiança e fazer uma consulta. O médico vai receitar e passar exame laboratorial na medida do que for necessário. Não precisa, necessariamente, ir para emergência”, orienta Mauro Adan.
Ele cita algumas exceções. “Se for algum horário fora do comum, como a noite, e a pessoa estiver com um quadro mais grave, aí sim, devem procurar as emergências, que vão atendê-las por grau de risco, de acordo com o protocolo de Manchester [veja abaixo]. O importante é não ficar sem se medicar ou fazer diagnóstico e tomar remédio aleatoriamente. A palavra de ordem é prevenção e, o que temos controle, temos que buscar controlar”, aconselha o presidente da Ahseb.
Já o infectologista Antônio Bandeira pondera que, nem sempre, é possível agendar consultas ou atendimentos para o mesmo dia. Nesses casos, e para pessoas com doenças de base, idosos e crianças, que têm sistema imune mais frágil para influenza, deve-se ir logo às emergências. “A pessoa precisa ir logo quando tiver os primeiros sintomas, porque precisamos afastar a ideia de que é covid e confirmar a influenza, que é uma das poucas doenças virais que têm tratamento. E a única forma de diferenciar as duas doenças é fazendo um teste de covid ou de influenza”, completa.
“Pior momento para o sistema de saúde em dois anos e meio”, diz Prates
O secretário municipal de saúde de Salvador, Leo Prates, alertou que o sistema público vive o pior momento dos últimos dois anos e meio. “Vamos fazer um apelo e implorar às pessoas para evitar as doenças que a gente pode evitar, porque, realmente, esse é o pior momento do sistema de saúde nos meus dois anos e meio. Amanhecemos com 45 pacientes não covid, ou seja, temos também outras doenças, especialmente câncer, AVC e infarto”, apelou Prates, em entrevista ao Jornal da Manhã, na terça-feira (21). O CORREIO pediu para falar com o secretário para obter mais detalhes dessa declaração, mas, segundo a assessoria da Secretaria Municipal da Saúde de Salvador (SMS), não havia agenda.
O titular da SMS ainda apontou que o tempo de regulação tem aumentado. “Temos poucos óbitos, mas, se uma pessoa fica dois dias internada no meu sistema de saúde, são dois dias que perco para uma pessoa com risco de morte. Temos o dobro de UPAs [Unidades de Pronto Atendimento] do que preconiza o Ministério da Saúde e elas não estão dando conta”, adverte Leo Prates.
Confira os graus de risco do protocolo de Manchester:
Vermelho (emergência): O paciente necessita de atendimento imediato. É o caso de vítimas de projétil de arma de fogo pacientes em insuficiência respiratória.
Laranja (muito urgente): O paciente necessita de atendimento praticamente imediato, em cerca de 10 minutos. Hemorragias de difícil controle, fraturas e perda de consciência costumam receber essa classificação.
Amarelo (urgente): O paciente necessita de atendimento rápido, mas pode aguardar por até 50 minutos, como é o caso de quadros de pequenas hemorragias ou desidratação.
Verde (pouco urgente): O paciente pode aguardar atendimento por até 2 horas ou ser encaminhado para outros serviços de saúde. São pessoas com quadros que podem ser resolvidos em outros tipos de serviço de saúde, como dor de garganta, febre, tosse etc.
Azul (não urgente): O paciente pode aguardar atendimento por até 4 horas ou ser encaminhado para outros serviços de saúde. Da mesma forma que a classificação verde, essas pessoas possuem sintomas mais comuns, apresentando doenças que podem ser resolvidas em outros locais. *Com informações do Correio24horas.