O futuro ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), minimiza a possibilidade de qualquer tipo de vandalismo em Brasília durante a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele diz que o país já estará sob novo comando, que não permitirá esse tipo de ato. A declaração foi dada em entrevista à reportagem nesta quarta (14), dois dias após bolsonaristas tentarem invadir a sede da Polícia Federal, incendiarem carros e promoverem depredação na capital federal, horas depois da diplomação de Lula no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
“O que não vai ter é alguém no dia da posse quebrando prédio em Brasília. Isso não vai ter porque, se tiver, aí já estará sob o nosso comando a partir do dia 1º de janeiro. E aí a gente não vai permitir que aconteça esse tipo de coisa. Agora, a pessoa irá protestar, legítimo. Ele não pode é tumultuar, ele não pode quebrar as coisas”, afirma. Dino pretende criar novas secretarias dentro do Ministério da Justiça, entre elas a Secretaria de Assunto Legislativos e a Secretaria de Acesso à Justiça. Esta última será comandada pelo auditor federal Marivaldo Pereira.
Sobre a Polícia Federal, órgão mais sensível sob sua tutela, o ex-governador do Maranhão afirma que a escolha do atual chefe da segurança de Lula, o delegado Andrei Rodrigues, não foi do petista, mas dele, e nega partidarização da corporação.
“Poderia haver a crítica se tivesse sido o Lula que colocou o Andrei. Eu volto a te dizer que não foi o Lula que indicou, quem indicou fui eu. Acho que ele preenche os critérios e estou muito feliz com a escolha”
PERGUNTA – Quais serão as prioridades dos primeiros cem dias?
FLÁVIO DINO – Há grandes eixos, o primeiro é esse relacionamento institucional; outro com muita ênfase é a segurança pública, abrangendo a retomada do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, a questão das armas e estruturação do Susp (Sistema Único de Segurança Pública). E no terceiro eixo, que eu chamaria de cidadania, estão questões do consumidor, sobretudo com foco inicial no combate ao superendividamento, implementação do Código de Defesa do Consumidor e temas relacionados a questões sociais.
P – O sr. já definiu como será a revogação dos decretos sobre armas de Bolsonaro?
FD – No meio de dezembro vamos apresentar ao presidente Lula a minuta do novo decreto. A proposta é em um só ato revogar decretos do governo anterior e editar novas regras.
Vamos restaurar os princípios essenciais da lei [Estatuto do Desarmamento] e avançar no que é uma regulação que seja mais responsável: limitação de acesso à arma de uso restrito; limitação de acesso a munições; encurtamento de prazos de registro; regras de funcionamento de clube de tiro. Depois, o que depende de fatores fiscais, deve haver o lançamento do programa de recompra de armas. No primeiro momento, o que vai acontecer é a nova regulamentação.
P – Já desenharam o programa de recompra? Há orçamento?
FD – Os recursos sempre são insuficientes à vista das necessidades, até quando você fixa as prioridades. Objetivamente é uma prioridade do presidente da República. Consideramos que a imensa maioria da sociedade concorda conosco e haverá assim alocação de recursos [para a recompra]. Evidentemente ainda não dimensionamos quantos milhões. Porque isso depende obviamente da definição do Orçamento de 2023, que ainda está sendo debatido. Estamos esperando fixar as balizas do cenário fiscal.
P – A PF é uma das áreas mais sensíveis sob a aba do seu ministério, e Lula indicou para a diretoria da corporação o delegado Andrei Rodrigues. O sr. se sentiu menos empoderado por ter sido uma indicação do presidente?
FD – Concretamente e objetivamente: não foi um pedido do presidente Lula, não foi uma indicação do presidente Lula.
Eu conheço o delegado Andrei há algum tempo, conheço de muitos anos, tenho conversado com ele desde antes da definição. É um quadro competente. E quando o presidente Lula me escolheu, ele me chamou e disse: “Olha, vou te anunciar”. Eu disse: “Presidente, e equipe?” E ele respondeu: “a equipe você forma e você tem autonomia, liberdade e tal”. Aí eu disse: “presidente, [há] ao menos dois cargos que eu faço questão de trazer para o senhor: PF e PRF [Polícia Rodoviária Federal], por motivos óbvios.
Foi exatamente assim que se deu. Eu estive lá com ele depois e falei do delegado Andrei. Claro que ele concordou, o governo é dele.
P – Durante o governo Bolsonaro, a oposição chamou a PF de bolsonarista, e um dos momentos mais críticos foi justamente quando o atual presidente indicou para a corporação seu chefe da segurança na campanha, Alexandre Ramagem. Agora o governo do PT repete a mesma ação e coloca o chefe da segurança de Lula na PF.
FD – Poderia haver a crítica se tivesse sido o Lula que colocou o Andrei. Eu volto a te dizer que não foi o Lula que indicou, quem indicou fui eu. Acho que ele preenche os critérios e estou muito feliz com a escolha.
Em segundo lugar, o que define isso é o critério da prática. Vamos olhar a prática do Andrei e vamos olhar a prática da Polícia Federal, se vai ser uma prática partidarizada, ideologizada, aparelhada. Te afirmo que não será.
P – O delegado Andrei nunca ocupou um cargo de direção ou de superintendente. O que explica a escolha do nome dele?
FD – No dia do que eu anunciei o nome dele eu fiz a fundamentação e reitero. Em primeiro lugar, o fato de ele ter uma experiência na Amazônia. Eu não colocaria ninguém que não tivesse passado pela Amazônia, porque é uma área hoje prioritária para o Brasil e para o mundo.
Em segundo lugar, ele exerceu uma função de direção muito expressiva, que foi a secretaria extraordinária de grandes eventos. Exerceu funções lá, trabalhou junto conosco na Copa [do Mundo], Olimpíada, etc. Inclusive no governo Temer, não só no governo do PT.
P – Lula falou em consertar a PF. O que ele quis dizer com isso?
FD – Despartidarizar, desideologizar, colocar no trilho da legalidade. A Polícia Federal nem perseguindo nem protegendo. Uma polícia mais eficiente em temas fundamentais, cito dois: Amazônia, crimes ambientais que abrangem fronteiras; e crimes digitais. Consertar a PF é conseguir inclusive melhorar a eficiência em relação a isso. Ampliar a estrutura, ampliar recursos humanos, recursos materiais para enfrentar esses temas.
P – A questão do combate de crimes contra a democracia entra dentro dessas prioridades?
FD – Sem dúvidas são temas essenciais e são de competência federal. Deve haver uma diretoria específica na Polícia Federal. Nós estamos propondo em relação a crimes digitais, que você tem esses crimes de ódio sendo articulados, organizados muito fortemente pela internet. No Ministério da Justiça eu vou ter uma secretaria especial só sobre internet, que vai ser a Estela Aranha, especialista nessa área.
P – Qual a opinião do sr. sobre os inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes?
FD – A minha opinião em relação aos atos do ministro Alexandre, e portanto da PF, é a mesma da do plenário do Supremo. Quer dizer, o ministro Alexandre nas suas decisões tem sido, quase sempre, acompanhado pelo plenário do Supremo.
P – No início da Lava Jato, o Supremo também referendou medidas da operação.
FD – São medidas bem diferentes. Não há uma decisão do ministro Alexandre que eu conheço -essas mais notórias- que possa ser classificada como ilegal. Vou te dar um exemplo que causou alguma controvérsia: empresários financiando violência. Claro que as contas deles têm que ser bloqueadas. Isso é de manual. Quando você combate uma organização criminosa, você descapitaliza. Ele descapitalizou uma organização criminosa.
P – O sr. está falando de ação contra empresários envolvidos em atos concretos, mas teve outra busca contra empresários com base em conversas reveladas em uma reportagem.
FD – Sim, gravíssimas conversas. Eu não vi um que negasse, inclusive. Eu não vi, pode ter tido algum. Eu não vi um empresário que negasse o conteúdo daquelas conversas. Aquilo ali é liberdade de expressão? Aquilo ali se insere nos limites da liberdade de pensamento? Claro que não. Ali era a prática de atos preparatórios visando o cometimento de crimes.
P – Houve os episódios de ataques à sede da PF em Brasília no dia da diplomação de Lula. Há algum tipo de receio para a posse?
FD – O plano de ação e segurança funcionou muito bem na diplomação, não houve nenhuma intercorrência. O presidente Lula hoje [14 de dezembro] foi na posse do TCU (Tribunal de Contas da União), absolutamente tranquilo. Então só prova que o sistema de segurança tem funcionado. Os eventos [de vandalismo] no dia da diplomação estão vinculados a uma outra questão, não à diplomação em si.
Sinceramente, eu acho que não vai ter nenhum problema com a posse em si. Pode ter em outro lugar alguém protestando sim, é normal que tenha. O que não vai ter é alguém no dia da posse quebrando prédio em Brasília, isso não vai ter porque, se tiver, aí já estará sob o nosso comando a partir do dia 1º de janeiro. E aí a gente não vai permitir que aconteça esse tipo de coisa.
Agora, a pessoa irá protestar, legítimo. Ele não pode é tumultuar, ele não pode quebrar as coisas. Então eu estou muito tranquilo, acho que pode ser um grande sucesso, até porque vai ter muita gente –muito mais gente que esses grupos de extremistas.
P – Qual é o perfil que o sr. vai levar para o cargo de diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal)?
FD – No caso da PRF, estou buscando critérios técnicos, claro, e alguém que exerça autoridade como eu desejo que seja exercida, que lidere a instituição. Não me importa em quem votou, em quem deixou de votar, mas tem que ter afinidade com essa ideia: defesa da democracia, defesa da lei. Mas eu não tenho ainda o nome. Minha previsão é ter toda equipe até o dia 20 [de dezembro].
P – O sr. pretende fazer alguma investigação sobre o que foi feito durante a eleição dentro da PRF?
FD – Esses procedimentos existem. Tanto procedimentos de improbidade administrativa quanto procedimentos de investigação e evidentemente nós não podemos, em se tratando de crimes não prescritos, interromper a investigação. Agora, algum tipo de selo de prioridade, isso não vai ocorrer. Porque a gente quer dar uma mensagem muito clara para instituição e a mensagem é essa: nem favorecimento, nem perseguição.
P – E o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), sai do Banco Central?
FD – Até agora é na Fazenda. A definição que nós adotamos semana passada e que eu acho que está em vigor, porque essas coisas mudam, é que o Coaf volta para Fazenda. O que nós sempre achamos que é inteligência financeira, não pode estar com autoridade monetária, que tem outras missões.
P – O sr. vai dar sugestões para Lula sobre o novo PGR (Procurador-Geral da República)? O sr. acha importante respeitar lista tríplice?
FD – O presidente Lula já me pediu nomes, mas não tem um debate organizado ainda sobre isso. Vou sugerir nomes, a decisão é dele. Não há posição nem de que lista tríplice é dogma. Pode ser que a escolha recaia sobre a lista tríplice, talvez. Entre os nomes apresentados também estarão os da lista tríplice.
P – O senhor defende a lista?
FD – Eu defendo como uma opção. A Constituição não obriga.
P – O sr. vai participar das indicações para as próximas vagas no STF? Qual o perfil dos futuros escolhidos?
FD – Eu tenho pelo menos uns 10 bons nomes.
P – Qual o perfil?
FD – Todos têm um alinhamento no sentido de defesa da Constituição, da legalidade, do Estado de Direito. Em nenhum país do planeta Terra o presidente da República escolhe alguém que ideologicamente seja seu antípoda. Deve haver uma convergência de ideias, agora essa convergência tem muitas modulações, muitas nuances.
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RAIO-X
FLÁVIO DINO, 54
Senador eleito e ex-governador, é formado em direito pela Universidade Federal do Maranhão. Fez carreira na magistratura, sendo presidente da Associação Nacional de Juízes Federais e membro do Conselho Nacional de Justiça. Ingressou na política e foi eleito deputado federal no ano seguinte. Venceu as eleições para o Governo do Maranhão em 2014.
RAQUEL LOPES E FABIO SERAPIÃO/FOLHAPRESS