“(…) ninguém se incomoda muito que a política seja democrática,
desde que a economia não o seja”
(Eduardo Galeano – O Livro dos Abraços)
Ao escrever sobre política econômica, sinto-me na obrigação de fazer menção ao professor, mestre e doutorando, Castro Vilas Boas, a quem tenho o prazer de ter como amigo e que, com a concepção de política, de coletividade, e com a postura combativa que tem faz a diferença onde estiver.
Mas vamos ao assunto.
Quem está acostumado a assistir os noticiários televisivos, com frequência escuta acerca dos esforços do governo para manter o superávit primário. A manutenção dele também era inquestionável nos programas de governo dos três presidenciáveis que obtiveram as maiores votações nessas eleições. Mas o que vem a ser esse superávit que ocupa tanto espaço no campo da economia nos noticiários, e o que representa em nossa vida na prática?
O superávit, na verdade, é um dos três basilares macroeconômicos brasileiros, compromisso do governo Fernando Henrique Cardoso com o FMI (Fundo Monetário Internacional) desde o ano de 1999. Esses são compostos ainda da taxa de câmbio flutuante e da taxa de juro real elevada. O objetivo desses dois são, respectivamente, ajustar as contas externas e garantir as metas de inflação.
O superávit primário, a seu tempo, tem a função de controlar e minimizar o endividamento do setor público, sendo considerado um termômetro dos seus gastos. Ele, nada mais é do que o resultado positivo entre receitas e despesas do governo, com exceção do pagamento de juros. O seu oposto, o déficit primário é justamente quando esse resultado é negativo. Ou seja, quando o governo arrecada mais do que gasta está fazendo o superávit primário. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que tem aterrorizado gestores pelo Brasil afora, é reflexo desse acordo de metas com o FMI. Na prática significa, no argumento dos seus defensores, a preservação da riqueza financeira nacional. Mas então qual a crítica ao superávit?
A crítica reside no fato de que esse modelo de macroeconomia impõe a prioridade ao pagamento de juros da dívida que consome mais de 40% do orçamento brasileiro para sua manutenção. Para ter um parâmetro, enquanto para pagar juros bancários de amortização de dívida é consumido mais de 40% do nosso orçamento, a luta de que seja destinado 10% desse mesmo orçamento para a educação arrastou-se por anos e culminou que, segundo o governo, só na próxima década a educação será contemplada com esse percentual, que ainda assim é pelo menos quatro vezes menor do que o que se paga de juros da dívida brasileira atualmente.
O superávit, assim, só paga os juros de uma dívida que é impagável e que poderia ser auditada para não estarmos “jogando nosso dinheiro em um saco sem fundo”, mas falta interesse, força política e conscientização popular para forçar a tão necessária auditoria. Assim, o dinheiro público esvai-se navegando mares tranquilos e enriquecendo ainda mais os grandes banqueiros que são os maiores beneficiados pelo sistema.
Outra situação que ilustra como esse modelo funciona ocorreu em 2013 quando numa manobra contábil com a Petrobras sobraram aos cofres do governo R$ 31,9 bilhões que poderiam ter sido destinados a investimentos sociais mas em detrimento destes, e em privilégio ao capital, foram destinados a fazer superávit primário. Da mesma forma e no mesmo ano, contrariando a própria Receita Federal o governo reabriu o prazo do Refis (programa de parcelamento de dívidas das empresas com o governo) acumulando mais R$ 22 bilhões utilizados para cumprimento das metas.
Os analistas de mercado preveem que em 2015 será necessária maior rigidez para que se alcance as metas de superávit, o que nos atinge diretamente, porque significa diminuição ainda maior dos gastos sociais.
Quanto à citação inicial de Galeano, iludimo-nos acreditando que o sistema financeiro, que realmente é quem sempre imperou, permitiria uma mudança substancial na política econômica que viesse, de fato, culminar na priorização do social. O fato das candidaturas mais votadas terem financiadores de campanha comuns às três é emblemático nesse sentido. Ou seja, ainda não foi dessa vez que foi possível amedrontar o sistema. E ainda estamos longe disso! Mas avançando. É essa crença que nos move!
(Gráfico do orçamento da União no ano de 2012)
Dr. Alender Rodrigues Brandão Correia
Advocacia e consultoria jurídica
Artigo para o Blog Itiruçu Online.