O Fundo Partidário, que anualmente irriga as contas dos partidos políticos com milhões de reais dos contribuintes, nem sequer deveria existir. Os partidos – como temos defendido há um bom tempo nesta página – são organizações privadas e, como tais, devem ser financiados exclusivamente pelas contribuições voluntárias de seus filiados e simpatizantes.
Argumenta-se que “a democracia tem um custo” como tática para induzir o contribuinte a pensar que, sem o aporte anual do Tesouro para os partidos, sem falar no bilionário Fundo Eleitoral, pago a cada dois anos, a democracia soçobraria. Trata-se de uma falácia. A existência desses canais ilegítimos de custeio de atividades partidárias e campanhas eleitorais, ao contrário, só enfraquece a democracia representativa. Os fundos públicos (ou, em linguagem mais direta, o dinheiro fácil) acomodam as lideranças partidárias que deveriam levar as legendas a se aproximarem cada vez mais dos eleitores que dizem representar, convencendo-os do valor social da agremiação a fim de angariar doações.
Dito isso, uma vez que o Fundo Partidário aí está e nada indica que será extinto no futuro próximo, o mínimo que se espera é que os vultosos recursos públicos que o abastecem não sejam utilizados de forma antirrepublicana, quando não flagrantemente ilegal, por próceres das legendas.
No entanto, o País está longe desse patamar de decência e moralidade pública. Um levantamento feito pela iniciativa Freio na Reforma, que congrega entidades da sociedade civil contrárias a projetos de reforma política em tramitação no Congresso com o objetivo de afrouxar o controle dos gastos dos partidos, revelou que 10%, em média, dos recursos do Fundo Partidário destinados às legendas em 2015 foram usados de forma irregular. Dos R$ 811 milhões distribuídos aos partidos naquele ano, R$ 77 milhões foram gastos de forma irregular, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O TSE reprovou as contas de nada menos do que 20 partidos políticos. As contas de outras 13 legendas foram aprovadas com ressalvas.
Os campeões de mau uso do Fundo Partidário, como custeio de festas, reformas de imóveis de dirigentes partidários, compra de automóveis e aeronaves, entre outras barbaridades, são o PCB (52,2% do fundo com irregularidades identificadas), o PROS (48,39%), o PMB (46,62%), o PSOL (40,79%) e o PEN (Patriota, desde 2018, com 33,10%).
É forçoso dizer que os partidos políticos só se esbaldam com o dinheiro dos contribuintes porque sabem que o TSE é lento para julgar suas prestações de contas, que, na prática, não passam de um ato meramente formal, mero cumprimento de um rito burocrático sem consequências mais gravosas. Os chefões das legendas arrogaram-se donatários de um quinhão cada vez maior do Orçamento da União e dele dispõem sem maior parcimônia porque não se sentem compelidos para cumprir a lei e limitar o uso do Fundo Partidário à finalidade a que se destina: custear despesas estritamente ligadas à atividade partidária. Os caciques contam com a lentidão da Justiça Eleitoral para julgar as contas partidárias e com a demora na aplicação de sanções decorrentes do mau uso dos recursos.
Em caso de irregularidade confirmada pelo TSE, o partido político é obrigado a devolver o dinheiro despendido indevidamente, uma quantia que, por incrível que pareça, volta para o próprio Fundo Partidário. Já punições individuais, ainda mais raras, ocorrem apenas nos casos em que restar comprovada a ação dolosa que configure enriquecimento ilícito do candidato ou mandatário ou dano ao patrimônio do partido. A impunidade, nesse caso, é praticamente assegurada pelo longo tempo transcorrido entre a descoberta da ilegalidade e a conclusão da ação eventualmente proposta pelo Ministério Público Eleitoral. Um convite à prescrição.
O festim dos partidos políticos com o dinheiro do Fundo Partidário – até serviços de prostitutas já foram bancados com esses recursos – só terá fim quando o TSE resolver agilizar o julgamento das contas partidárias e aplicar rigorosamente a lei nos casos em que houver ilegalidades. Se acontecer, já será um bom começo, até o fim definitivo da excrescência. Estadão Conteúdo*.