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O falso capitão que comandava a milícia: entenda quem foi Adriano da Nóbrega

Adriano Magalhães da Nóbrega entrou na Polícia Militar do Rio de Janeiro em 1996. Fez cursos de segurança vip, virou atirador de elite e chegou a integrar uma das mais prestigiadas unidades policiais daquele estado – o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Mas, em algum momento, os caminhos do ex-policial se inverteram.

Nóbrega passou a ser apontado como o chefe de uma das maiores milícias cariocas – o Escritório do Crime, fundado na comunidade do Rio das Pedras, na Zona Oeste da cidade. Em seu currículo, há ligações com políticos e autoridades fluminenses, a exemplo do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). No rastro da milícia comandada por ele, ainda pesam as suspeitas de envolvimento com o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018.

É possível dizer que foi devido a esse histórico que a notícia de sua morte reverberou tanto nos últimos dias. Nóbrega foi morto, aos 43 anos, no domingo (9), em uma fazenda na zona rural de Esplanada, município no Litoral Norte da Bahia. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), ele estava escondido na cidade e teria resistido à operação montada para prendê-lo.  No ano passado, o nome de Adriano da Nóbrega foi parar entre os alvos da Operação Intocáveis, cuja primeira fase foi deflagrada em janeiro do ano passado, no Rio de Janeiro, A segunda fase aconteceu mais de um ano depois, no dia 30 de janeiro de 2020, e chegou a prender 33 pessoas.

Desde a primeira, porém, é considerado foragido. Sua defesa chegou a impetrar um habeas corpus, mas o pedido foi negado por unanimidade pelos desembargadores da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 

Nóbrega era tido como um dos chefes do Escritório do Crime, mas não apenas isso.

De acordo com a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), ele era parte de uma “perigosa organização criminosa, composta por indivíduos que praticam diversos delitos nas comunidades de Rio das Pedras, Muzema e adjacências, incluindo crimes dolosos contra a vida”. 

Conhecido entre os milicianos como Capitão Adriano ou Gordinho, ele nunca chegou a ser capitão, de acordo com a assessoria da Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro. Nóbrega serviu no Bope entre 2000 e 2002 como tenente. Quando foi demitido da corporação, em 2014, durante uma operação contra milícias no estado, ainda era tenente.

“Patrãozão”
A autoridade de Adriano da Nóbrega, assim como de outros dois suspeitos (Maurício Silva da Costa e Ronald Paulo Alves Pereira), era considerada tão forte no grupo que, de acordo com o MP-RJ, era “certo que nenhuma ação é realizada sem o comando ou autorização dos mesmos”.

Em conversas interceptadas pelo MP-RJ, outros supostos comparsas referem-se ele como “patrãozão”. Assim como teria vindo fazer na Bahia – de acordo com o secretário da segurança pública baiana, Maurício Barbosa, Nóbrega andava lavando dinheiro com compra de gado e terrenos por aqui –, o miliciano já tinha relação com o controle de imóveis e terras no Rio.

Ele seria responsável por coordenar e controlar “empreitadas criminosas” no ramo imobiliário com a venda e locação ilegal de imóveis, grilagem de terras, extorsão de moradores, ocultação de bens adquiridos no crime, falsificação de documentos públicos, propina, agiotagem e ligações clandestinas de água e energia.

Na denúncia do Ministério Público, há pelo menos cinco imóveis listados como os endereços residenciais de Adriano da Nóbrega – todos no Rio de Janeiro. Com Ronald, Maurício e Manoel, era uma espécie de “sócio investidor”, nas palavras do MP-RJ.

Só que, ao mesmo tempo, Nóbrega era considerado extremamente cuidadoso. Evitava falar ao celular – ou mesmo qualquer tipo de exposição. Preferia usar sempre conexões Wi-fi do que chips de operadoras, trocados com frequência. Ao mesmo tempo, delegava aos subordinados o gerenciamento dos negócios relacionados às atividades criminosas.

Na polícia
O envolvimento com as milícias teria começado quando ainda estava no Bope. Em entrevista aos jornalistas Flávio Costa e Sérgio Ramalho, do UOL, em abril do ano passado, um oficial da Polícia Militar do Rio revelou que todos os colegas sabiam da ligação de Nóbrega com a “contravenção”.

“No fundo, a gente tinha medo dele. O cara parecia um psicopata. Diziam que ele gostava de matar com faca, mas nunca o vi matar ninguém”, afirmou o oficial, na ocasião, sem se identificar.

Ainda na polícia, Nóbrega foi preso em três momentos. Em 2005, foi condenado a 19 anos de prisão pela morte do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, 24 anos. O ex-policial, que estava preso preventivamente desde 2006, foi solto em 2006 e absolvido na segunda instância em 2007.

A outra prisão foi em 2008. Na época, foi acusado de tentar matar o pecuarista Rogério Mesquisa. Foi solto um mês depois. Devido a esse mesmo caso, foi novamente preso em 2011. No entanto, no ano seguinte, a Justiça entendeu que as provas apresentadas não serviram para confirmar a acusação.

Flávio Bolsonaro
Adriano da Nóbrega é citado na mesma investigação sobre uma suposta “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (sem partido), hoje senador. De acordo com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), a suspeita é de que as contas de Adriano foram usadas para transferir dinheiro a Fabrício Queiroz, então assessor de Flávio.

Pelo menos duas pessoas ligadas a Adriano foram empregadas no gabinete de Flávio – as duas teriam sido contratadas através de Queiroz. Foram justamente a ex-mulher de Nóbrega, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega (2007 a 2018), e a mãe do miliciano, Raimunda Veras Magalhães (2016 a 2018).

A relação com Flávio, porém, começou antes disso. Em dois momentos, quando ainda era deputado estadual, Flávio prestou homenagens a Adriano, que ainda estava na PM. A primeira homenagem foi ainda em 2003 – uma moção de louvor e congratulações ao então 1º tenente da Polícia Militar do Rio Adriano Magalhães da Nóbrega, “pelos inúmeros serviços prestados à sociedade”.

Na época, Nóbrega era lotado no 16º Batalhão da PM do Rio e atuava como comandante da Guarnição de Patrulhamento Tático-Móvel-Patamo. Em 2005, ele foi novamente condecorado. Naquele ano, recebeu a medalha Tiradentes, a honraria mais alta concedida pela Alerj.

Caso Marielle 
Inicialmente, a própria SSP-BA divulgou que Nóbrega era ligado ao Caso Marielle. No entanto, isso foi questionado por figuras da política carioca. Foi o caso do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que era amigo de Marielle e presidu a CPI das Milícias na Alerj, em 2008.

“Adriano deveria ser investigado pela relação com os Bolsonaro. A ex-mulher e a mãe do miliciano eram assessoras do @FlavioBolsonaro  e estavam no esquema da rachadinha. Flávio deu medalha ao Adriano e Jair o elogiou no Congresso quando ele estava preso”, publicou o deputado federal, em sua conta no Twitter.

O PSOL, partido ao qual Marielle também era filiada, divulgou uma nota que vai no mesmo sentido.

“Na manhã deste domingo ficamos sabendo pela imprensa que Adriano da Nóbrega, miliciano ligado a Flávio Bolsonaro e um dos chefes da milícia conhecida como Escritório do Crime, foi morto pela polícia na Bahia. Adriano estava foragido e a milícia da qual fazia parte era suspeita de envolvimento no assassinato de nossa companheira Marielle Franco e Anderson Gomes”, escreveram.

O partido ainda afirmou que sua executiva nacional exige esclarecimentos sobre as circunstâncias da morte de Nóbrega e que vai solicitar uma audiência com a SSP-BA para obter maiores informações. Para a executiva nacional do PSOL, Adriano da Nóbrega era “peça chave para revelar diversos crimes, incluindo aqueles envolvendo Queiroz e Flávio Bolsonaro”.

De acordo com a polícia, Nóbrega não tinha ligação direta com o assassinato da vereadora e do motorista. Um dos suspeitos de matá-la, porém, o policial militar reformado Ronnie Lessa, é que também seria integrante do Escritório do Crime.

Queima de arquivo
O advogado Paulo Emílio Catta Preta, que representou Adriano da Nóbrega nos últimos meses, foi procurado pelo CORREIO, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.

Ao G1, no domingo, porém, o advogado contou que, na última conversa que tiveram, Nóbrega falou que temia ser morto pela polícia.

“Ele falou em queima de arquivo: ‘Temo por ser uma queima de arquivo’. Mas eu não perguntei nem quem teria interesse nessa queima de arquivo nem quais eram as informações que ele eventualmente teria”, afirmou.

A Corregedoria da Polícia Civil do Rio de Janeiro deve investigar se ele foi executado ou se houve mesmo uma troca de tiros. Além dos policiais baianos, dois agentes de inteligência cariocas participaram da operação em Esplanada.

Ao CORREIO, a assessoria da SSP-BA limitou-se a dizer que “a polícia baiana agiu dentro da lei e com profissionalismo. Reagiu aos tiros deflagrados pelo miliciano”.

Mais tarde, o secretário da Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, divulgou um vídeo e uma nota defendendo os policiais envolvidos.

“Estávamos diante de uma pessoa de alta periculosidade, envolvidos em diversos crimes e com treinamento de tiro, pois chegou a ser um policial de operações especiais. Óbvio que queríamos efetuar a prisão, mas jamais iríamos permitir que um dos nossos ficasse ferido ou saísse morto do confronto”, disse o secretário.

Segundo Barbosa, as equipes agiram da melhor forma possível no texto. “Temos que reconhecer a coragem e técnica dos policiais militares baianos destacados nessa missão”, afirmou. “Não há nenhum interesse por parte da Secretaria de Segurança, da Polícia Militar, de esconder qualquer crime cometido por Adriano, pela sua quadrilha, envolvimento dele com qualquer tipo de crime”, completou.

Como acontece em todos os confrontos com morte, a Corregedoria da polícia é acionada. O inquérito deve ser divulgado assim que for concluído.

‘Labirinto de dúvidas’
A Anistia Internacional, uma das entidades que acompanham as investigações sobre a morte de Marielle e Anderson, se posicionou sobre o caso. Em nota pública divulgada ainda no domingo (9), a Anistia reforçou que tem exigido “transparência” das autoridades, ao longo dos quase dois anos de investigação.

Para a ONG internacional, a transparência é fundamental para que confiar nos esforços para elucidar as mortes.

“As informações que circulam hoje (ontem), assim como os intensos vazamentos ocorridos especialmente a partir de outubro do ano passado, apenas enviam um recado: de que as autoridades estão presas num labirinto de dúvidas, e não conseguem sair”, informou a Anistia.

A entidade ainda defendeu que a necessidade de sigilo não pode ser confundida com falta de transparência. “Os acontecimentos relacionados às investigações suscitam mais perguntas do que respostas, o que é muito grave. Já são quase dois anos que o mundo inteiro olha atentamente para o Brasil, esperando por respostas consistentes”, completam.

*Com informações do Correio24horas.