A ONU tão adorada pela esquerda, que os irmãos fiquem sabendo, afirmou que “a igreja cristã é inimiga dos direitos humanos”. O plano da organização, portanto, é virar uma “religião mundial” e impor “leis humanitárias, e não espirituais, para que o mundo não esteja sujeito à doutrina cristã”.
Falso, claro. Mas é o que diz um vídeo apócrifo que circula entre fiéis de Carapicuíba (SP).
E o que dizer do Lula possuído? “E eu estou falando com o demônio e o demônio está tomando conta de mim”, diz áudio que também passeou por igrejas locais. Ele já foi desmentido por mais de uma agência de checagem de fatos. A Lupa, por exemplo, mostrou que a fala do ex-presidente petista foi recortada e tirada de contexto, dando a impressão de que ele batia um papo com o capeta.
O que Lula disse, na verdade, era justamente um alerta contra fake news que coalham o debate público. “E nas redes sociais do bolsonarismo eles estão dizendo que eu tenho relação com o demônio, que eu estou falando com o demônio e o demônio estava tomando conta de mim.”
Essa é uma “soft”, leve, ironiza Sérgio Ribeiro, fiel da Igreja A Serviço do Rei Jesus e petista que já foi prefeito de Carapicuíba.
Ele envia à Folha mais de 50 conteúdos inverídicos ou distorcidos que ricocheteiam por grupos de WhatsApp com evangélicos da cidade. Sempre com o aviso de “encaminhado com frequência” que acompanha mensagens muito repassadas no aplicativo.
A infestação de fake news nos celulares escancara como religiosos pró-Jair Bolsonaro (PL) usam a máquina do ódio contra os dois candidatos vistos como ameaças à reeleição do presidente.
Lula é o alvo preferencial, mas o ex-juiz Sergio Moro, tido como o adversário que mais periga tirar Bolsonaro do segundo turno, também está na mira.
“As pesquisas mostram que Lula e Bolsonaro praticamente empatam no público evangélico. A estratégia da mentira deve se intensificar por causa disso”, afirma Luis Sabanay, reverendo presbiteriano na coordenação nacional do Núcleo Evangélico do PT.
São mentiras ou deturpações forjadas com base em valores morais, diz. Há ainda tentativas de instigar o pudor cristão, emulando um Brasil sob ataque de progressistas lascivos.
Caso deste texto exportado do site De Olho News, com clara intenção de chocar mentes pudicas: “Homem faz tatuagem no ânus em protesto a Bolsonaro”.
No começo do mês, o site da campanha lulista compilou desinformações contra o pré-candidato. O texto atribui, por exemplo, à “inveja dos bolsonaristas” a retomada de uma notícia falsa que varreu as redes em 2021, sobre a participação do ex-presidente no Fórum Econômico Mundial de 2003.
“Segundo a falsificação de bastante mau gosto, ao longo do evento, o então mandatário estava embriagado e tinha se urinado e por isso precisou ser retirado ‘discretamente’ de seu painel.”
Outra fake news recorrente foca o eleitorado católico. O áudio, creditado ao padre Marcelo Rossi, alerta sobre os riscos de um eventual governo de esquerda —a assessoria do clérigo nega a veracidade do conteúdo.
“Se você ama a liberdade religiosa, a família e o Brasil, ouça com atenção o que esse religioso revela”, diz mensagem que acompanha a mídia. Nela, um homem diz que o Brasil vive uma crise moral e que os valores da igreja “já estão sendo desprezados”.
Caso Lula seja eleito, já era, diz. “Não será como da primeira vez, você não vai ver o Lulinha paz e amor. Vai ser o Lulinha revolucionário que vai tentar implantar o modelo político que ele acha que é melhor para o Brasil.”
Populares são também opiniões, vendidas como fato, sobre a incompatibilidade entre servir a Cristo e ser esquerdista.
“Se você se diz cristão e ainda vota na esquerda, há apenas duas possibilidades: ou você não segue realmente os ensinamentos do cristianismo ou os segue e ainda não entendeu o que a esquerda é verdadeiramente”, diz texto publicado pela Igreja Universal em janeiro.
Vai na mesma toada André Valadão, pastor que nas últimas semanas recebeu em sua igreja nos Estados Unidos o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o ministro Fábio Faria (Comunicações) e o foragido Allan dos Santos, do site Terça Livre.
Querido por jovens evangélicos, ele tem uma caixinha de perguntas e respostas no Instagram. Eis que um seguidor se apresentou como cristão, eleitor do Lula e pró-aborto. “E tudo bem, Jesus me ama e aceita e não estou pecando”, concluiu. “‘Cê’ não é crente de jeito nenhum, não é mesmo”, respondeu Valadão.
O secretário de comunicação do PT, Jilmar Tatto, diz que o partido dispõe de uma central para reunir denúncias de fake news que, se necessário, são encaminhadas para uma equipe jurídica. “É possível ver de onde essas notícias falsas estão vindo. E elas não têm a ver com disputa política, são mentiras.”
O PT planeja lançar um programa voltado só para evangélicos na TV da legenda no YouTube. A iniciativa será replicada em redes sociais e, segundo Tatto, é uma maneira de combater essas notícias falsas.
O partido também discute a produção de pequenos vídeos, a partir de março, para desmentir falsidades. A ideia é fazê-los na medida para as redes sociais.
Na avaliação de petistas, os ataques podem ter aumentado neste começo de ano após levantamentos apontarem que esse eleitorado não é tão fiel a Bolsonaro quanto querem fazer acreditar pastores próximos ao presidente.
Pesquisa Datafolha de dezembro mostrou que, para 43% dos evangélicos, Lula foi o melhor presidente que o Brasil já teve. Isso é mais do que o dobro do montante (19%) que prefere Bolsonaro.
O canhão digital tem também em sua reta Moro, persona non grata no bolsonarismo desde que saiu da Esplanada e passou a criticar o ex-chefe. A intensidade dos ataques escalou após o ex-juiz oficializar sua disposição de enfrentar Bolsonaro nas urnas, o que pode provocar uma cisão no eleitorado antipetista.
Repercutiu em templos um vídeo em que o pastor Silas Malafaia equipara Moro ao discípulo que traiu Jesus. “Além de ser Judas, é um covarde, porque esperou um momento difícil de Bolsonaro […] para tentar sair em glória e se ferrou.”
Outro rótulo que correntes virtuais tentam colar nele mexe com o brio conservador do eleitor. “Comece pregando o Evangelho para o abortista Moro”, dizia um comentário em post da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos).
Fundador da entidade, Uziel Santana hoje coordena a campanha morista no campo evangélico.
Moro diz ser, pessoalmente, contra o aborto. Já politicamente, advoga pela manutenção da atual lei, que permite a mulheres abortar em caso de risco de morte da mãe, anencefalia do feto e estupro.
“Infelizmente, existe uma máquina de promoção de fake news contra Moro porque a aceitação dele entre pastores, líderes e fiéis têm sido ampla”, diz Santana. “Espero que essa máquina não seja usada por nenhum líder cristão, pois isso seria um péssimo testemunho para todos.”
Historicamente, as desinformações relacionadas à moralidade religiosa “afetam fortemente ambientes religiosos”, diz Magali Cunha, editora-geral do Bereia, coletivo que analisa potenciais inverdades que abordem conteúdos sobre religião —em pouco mais de dois anos, foram 285 checagens.
Vide a mamadeira com bico em formato de pênis supostamente distribuída em creches paulistanas, mais infame notícia falsa a atingir a campanha do presidenciável Fernando Haddad (PT) em 2018.
Cunha aposta, contudo, que em tempos de crise econômica, quando a população se vê às voltas com fome e desemprego, “estas pautas perdem força de afetação”.
Nas eleições municipais de 2020, por exemplo, já arrefeceram um bocado. “Neste caso, o acionamento do imaginário do inimigo e da perseguição a cristãos, como o tema da cristofobia, tende a ser mais explorado.”
Por Anna Virginia Balloussier e Victoria Azevedo/Folhapress