Jair Bolsonaro (PL) é o primeiro presidente do Brasil a não ser reeleito desde 1997, quando foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que instituiu a reeleição. O ex-capitão do Exército disputou a preferência do eleitorado brasileiro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que foi eleito Presidente da República na disputa pelo segundo turno neste domingo, 30. Em uma campanha marcada pela polarização, Lula e Bolsonaro apareciam muito próximos nas pesquisas de intenções de voto. No primeiro turno, o petista recebeu 48,43% dos votos válidos (57.257.473 em números absolutos); já o candidato à reeleição recebeu 43,20% dos votos (51.071.106).
Essa é a primeira vez que um presidente não é reeleito no Brasil. Há 25 anos, os brasileiros reelegem todos os presidentes que tentaram o segundo mandato – seja já no primeiro turno, como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1998, ou disputando o segundo turno, como foram os casos de Lula em 2006 e Dilma Rousseff (PT) em 2014. Michel Temer (MDB), que assumiu após o impeachment de Dilma, não tentou disputar o pleito seguinte.
Derrota era esperada
As pesquisas de intenção de voto já indicavam a hipótese de não reeleição de Bolsonaro. Uma pesquisa Datafolha divulgada em 16 dezembro de 2021, antes do ano eleitoral, indicava que o atual chefe do Executivo estava com 22%, enquanto o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva aparecia com 48% das intenções de voto. Na ocasião, ainda figuravam como opções de voto o ex-ministro Sergio Moro e o ex-governador João Doria.
Já no período de campanha eleitoral, a primeira pesquisa Datafolha, publicada em 18 de agosto, mostrava Bolsonaro com 32% e Lula com 47% das intenções de voto. De lá pra cá, Bolsonaro cresceu e chegou até a apresentar empate técnico com o petista, que liderou numericamente em todas as principais pesquisas eleitorais.
A rejeição ao governo vista nas urnas era também percebida nas pesquisas de avaliação da gestão. Os índices de reprovação à gestão do atual presidente chegaram a 53% em 2021. Em setembro, segundo Datafolha, 44% dos brasileiros reprovavam a forma como Bolsonaro conduz a gestão do Brasil. Era aprovado por 31%, e 24% consideravam o governo regular.
Bolsonaro é pior avaliado também em comparação a outros ex-presidentes que tentaram a reeleição. Em setembro de 1998, FHC tinha 43% de aprovação e 17% de reprovação; em setembro de 2006, Lula tinha 46% de aprovação e 18% de reprovação; e em setembro de 2014, Dilma tinha 37% de aprovação e 22% de reprovação.
Investigações na Justiça
Sem foro privilegiado a partir de 1º de janeiro de 2023, Bolsonaro deixa o governo sendo alvo de sete investigações, sendo quatro no Supremo Tribunal Federal (StF) e três no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele é acusado de interferir no comando da Polícia Federal, espalhar desinformação sobre as vacinas contra a Covid-19, promover ataques aos ministros do STF, divulgar fake news a respeito das urnas eletrônicas e vazar dados sigilosos.
A eleição de Bolsonaro
Para a cientista política Beatriz Rey, pesquisadora sênior no Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a eleição de Bolsonaro se deu em um período em que o sistema político brasileiro estava, em suas palavras, “ruindo”. Isso era reflexo das manifestações populares de 2013, contra o aumento das tarifas do transporte público; da Operação Lava Jato; e do impeachment de Dilma em 2016.
“Foi uma eleição completamente anômala. Ele não tinha um partido forte, nem nenhum outro parâmetro que usamos na ciência política para dizer se um candidato será eleito”, relembra Rey.
Na avaliação do professor de administração pública, João Villaverde, da Fundação Getúlio Vargas, a promessa de Bolsonaro de “fazer uma nova política” era “irrealizável” desde o princípio.
“É um governo bipartite. O governo federal precisa do Congresso para aprovar leis, e o Congresso precisa de iniciativas do governo federal para ditar leis. Bolsonaro criou essa promessa irrealizável de que ia governar sem o Congresso. Acreditou quem quis”, declara.
Sua vitória foi possível graças, em grande parte, às redes sociais e ao disparo de mensagens em massa, que foram o grande triunfo de sua campanha, a despeito dos tradicionais horários eleitorais reservados nos canais abertos de rádio e televisão. Aproveitando-se da era digital, Bolsonaro fez das lives seu palco de campanha e conquistou seu eleitorado.
Gestão marcada por polêmicas
Para especialistas ouvidos pelo Terra, Bolsonaro se envolveu em polêmicas antes mesmo de assumir o mandato presidencial. Eleito com a promessa de fortalecer a luta anticorrupção, encabeçando o movimento antipetista, ele se viu envolvido no escândalo da ‘rachadinha’ –esquema em que funcionários devolvem parte do salário ao responsável pelo gabinete– em 16 de dezembro de 2018.
A imagem de outsider da política, construída ao longo da campanha, caiu por terra com o escândalo e a esperança de “renovação no cenário político” e “luta anticorrupção” não durou muito.
Ao lago dos quatro anos de governo, foram registradas denúncias e suspeitas de corrupção envolvendo nomes importantes da gestão federal e aliados, que geraram investigações como a que levou à prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, da Educação.
Além do gabinete paralelo do Ministério da Educação (MEC), o governo Bolsonaro foi marcado pelo “tratoraço” (recursos em emendas ligados ao Orçamento Secreto), por pedido de propina na compra de vacina, pela compra de ônibus escolares com preços inflados, esquema de “escolas fake” e a farra do caminhão de lixo.
A pandemia de covid-19 também pesou para Bolsonaro, que foi bastante criticado por omissões e suas declarações que contrariavam importantes recomendações dos órgãos de saúde do mundo, inclusive a Organização Mundial de Saúde (OMS). Uma CPI no Senado chegou a imputar o presidente por nove crimes, 5 deles arquivados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e outros dois ainda em investigação (incitação à infração de medidas sanitárias e falsificação de documentos).
O primeiro mandato do ex-militar também afetou diretamente o bolso do brasileiro. Durante a gestão Bolsonaro, o País voltou ao Mapa da Fome, e encarou alta da inflação, preços de insumos básicos nas alturas, crescente preço do combustível e a desvalorização do real frente ao dólar.
Em uma última tentativa de reconquistar a simpatia de parte do eleitorado, Bolsonaro fez com que a chamada “PEC Kamikaze” fosse aprovada no Congresso. Reconhecida como medida eleitoreira, a proposta desrespeitava uma série de leis fiscais para reduzir o preço da gasolina, oferecer o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 até o fim de 2022, além de conceder uma bolsa-caminhoneiro no valor de R$ 1.000 e uma bolsa-taxista no valor de R$ 200.
“Uma tentativa desesperada para conquistar o voto desse eleitor que está insatisfeito com a situação econômica”, opina Villaverde.
Mudanças importantes no governo
Apesar da alta rejeição, importantes mudanças aconteceram ao longo do mandato de Bolsonaro na política brasileira. Foi neste período que a Reforma da Previdência foi aprovada pelo Senado, com a fixação de uma idade mínima para aposentadoria e outras mudanças sobre o tema.
Além disso, houve também a criação e implementação da modalidade de pagamento Pix pelo Banco Central e a criação do saque-aniversário do Fundo de Garantia (FGTS), que permite ao trabalhador a retirada de parte do valor das contas de acordo com o mês em que nasceu.
Ainda neste ano, o presidente sancionou uma lei que determina que o rol de procedimentos estabelecido pela ANS se torne exemplificativo, acabando de vez com o rol taxativo. Na mesma área, recentemente, foi sancionada por Bolsonaro a lei que dispensa o consentimento do cônjuge e reduz a idade mínima para mulheres que desejam fazer o procedimento de laqueadura.