Recentemente, quem passa em frente do Hospital Espanhol, na orla da Barra, é capaz de perceber um complexo de prédios modernos – e alguns poucos mais antigos – com diversas possibilidades de funcionamento. Mas a realidade passa longe de qualquer boa notícia em relação a uma das unidades de saúde mais antigas e tradicionais da capital baiana. Prestes a completar um ano que fechou as portas para atendimento, devido à um profundo mergulho em dívidas, o Espanhol segue um caminho de incertezas e poucas soluções que possam fazer reviver os tempos em que era uma das principais referências hospitalares do país.
Sem conseguir quitar os débitos que beiravam aos R$ 200 milhões – um dos fatores que motivaram a demissão em massa de funcionários entre junho e agosto do ano passado –, o Hospital Espanhol decretou falência no dia 9 de setembro de 2014, encerrando as atividades do atendimento clínico. Contudo, o ato foi sucedido por um decreto do então governador Jaques Wagner, publicado no Diário Oficial dois dias depois, que tornava o hospital um bem de utilidade pública, a fim de evitar que sua área e estrutura física fossem alvos de especulação imobiliária.
Fundado em 1885 por 124 membros da comunidade espanhola na Bahia, o hospital tornou-se um dos principais centros de saúde da Bahia. Com o fim das atividades, o estado acabou perdendo também 270 leitos, sendo 60 de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulto e 12 de UTIs pediátricas.
Para o vice-presidente do Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed-BA), Luiz Américo, o fechamento da unidade assim como a falta de uma solução causa um impacto negativo na saúde da capital.
“Os reflexos podem ser sentidos até mais nas unidades particulares do que nas públicas. Hospitais como o Português, ou o Aliança por exemplo, estão com volume de espera que rivalizam com as do SUS. Acho que já passou da hora do poder público tome as rédeas e assuma a responsabilidade pelo hospital”, comentou Américo, sugerindo uma parceria entre a prefeitura e o governo do Estado para reativar a unidade.
Em julho, o presidente do Sindimed-BA, Francisco Magalhães já havia feito um alerta sobre o risco da ociosidade no Espanhol. Além de um prejuízo mensal de R$ 80 mil, os aparelhos de alta tecnologia instalados no prédio, como tomógrafos, e monitores cardíacos, tendem a deixar de funcionar, sem uma manutenção ou preservação devida a estes instrumentos.
Sesab prefere não se manifestar sobre o assunto
Procurado pela Tribuna no mês de junho, o secretário de Saúde (Sesab), Fábio Vilas-Boas chegou a manifestar-se sobre o Espanhol, explicando que estava acompanhando as negociações conduzidas pela Real Sociedade através da empresa de consultoria Pricewaterhouse Coopers (PwC), e afirmou que na ausência de uma solução por parte dos gestores, a Sesab e a Procuradoria Geral do Estado (PGE) estavam trabalhando na estruturação de um plano para encaminhamento de uma solução definitiva para o hospital. Embora não passasse pela estatização, e que o teor não poderia ser revelado, esse plano estaria pronto de uma definição.
A posição do governo do Estado em relação à unidade de saúde, agora é o silêncio. Ao ser questionada recentemente sobre quais seriam os possíveis novos rumos do Espanhol, a Sesab respondeu que, por hora, não irá se manifestar sobre qualquer questão que envolva o empreendimento construído pela comunidade espanhola. Também procurado por nossa equipe, o presidente da Real Sociedade, Demétrio García, não atendeu as ligações.
Mesmo com a falta de respostas, um novo capítulo já tem data para vir a público. No próximo dia 27, uma audiência está marcada para acontecer no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5), quando a Real Sociedade deverá prestar contas da venda do hospital. A audiência integra a decisão tomada pelo TRT-5 em abril deste ano, quando foi determinada a venda dos prédios do Espanhol em um prazo máximo de seis meses. Segundo o Tribunal, com o montante adquirido na venda deverão ser quitadas as dívidas trabalhistas do centro, calculadas em cerca de R$ 20 milhões.
Manifestação pede esclarecimento sobre destino da unidade
Durante o último ano, pelo menos quatro grupos empresariais brasileiros – e até mesmo estrangeiros – teriam manifestado interesse em gerir o hospital, contudo, nenhum deles conseguiram fechar propostas com a Real Sociedade Espanhola de Beneficência (RSEB), entidade a qual pertence a unidade de saúde. A falta de respostas efetivas dos administradores incomodou até mesmo membros da colônia espanhola da Bahia que pediram a renúncia da diretoria, além da convocação de novas eleições, devido a ausência de transparência e representatividade da atual gestão.
Em junho, o Fórum Independente de Sócios, Amigos e Colaboradores do Hospital Espanhol (Fisache) havia conseguido, através dos meios judiciais, uma liminar obrigando a atual gestão da RSEB a convocar assembleia com os sócios para decidir pela permanência ou não da atual diretoria, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, em caso de descumprimento. Contudo, a administração simplesmente ignorou a liminar, visto que, desde a decisão judicial, nenhuma audiência foi marcada.
Para a coordenadora do Fisache, Rita Lorenzo, a situação evidencia o descaso da atual gestão para com a unidade de saúde. “Estamos tristes, afinal, não basta que completemos um ano que o hospital fechou as portas, mas sim o fato de que os sócios parecem não ter importância alguma, afinal, nada nos é revelado sobre o que está sendo feito para salvar esse patrimônio. Quem perde com isso não é apenas os membros da comunidade espanhola, são todos os baianos, pois essa é uma unidade filantrópica que atende à toda população”, desabafou.
Os membros do fórum deverão se reunir nesta quarta-feira (9) – data do infeliz aniversário de um ano de fechamento do Hospital Espanhol – para discutir o imbróglio, e, no próximo sábado (12), eles farão uma manifestação em frente à unidade pedindo esclarecimentos sobre o destino da unidade filantrópica.
Em julho, os sócios haviam entrado com representação no Ministério Público requerendo apuração sobre a destinação de empréstimos contraídos pela instituição junto à Agência de Fomento do Estado (Desenbahia), na ordem de R$ 60 milhões e através da Caixa Econômica, em montante superior a R$ 30 milhões, cujo último repasse, nesse caso, não chegou a ser liberado. Os recursos, destinados à recuperação da centenária unidade hospitalar, já superariam os R$ 100 milhões, segundo explicou o advogado Renato Leiro, que também é membro do Fisache. *Informações do Tribuna da Bahia.