O general do Exército Antonio Hamilton Mourão, que em setembro sugeriu que pode haver intervenção militar no Brasil se o Judiciário não conseguir resolver “o problema político”, voltou a falar nesta quinta-feira (7) sobre a possibilidade de atuação das Forças Armadas caso haja uma situação de “caos” no país. O militar comentou a situação brasileira para uma plateia no Clube do Exército, em Brasília, a convite do grupo Ternuma (Terrorismo Nunca Mais). Sua palestra, com o tema “Uma visão daquilo que me cerca”, reuniu críticas aos governos Lula e Dilma Rousseff (ambos do PT) e também a Michel Temer (do PMDB).
“Não há dúvida que atualmente nós estamos vivendo a famosa ‘Sarneyzação’. Nosso atual presidente [Michel Temer] vai aos trancos e barrancos, buscando se equilibrar, e, mediante o balcão de negócios, chegar ao final de seu mandato”, afirmou ele.
Sobre a possibilidade de intervenção, Mourão repetiu o raciocínio que gerou repercussão há três meses, dizendo que a instituição poderia ter o papel de “elemento moderador e pacificador”, agindo “dentro da legalidade”. Segundo ele, o Exército tem como missão defender a pátria e possui a democracia e a paz social como valores supremos.
“Se o caos for ser instalado no país… E o que a gente chama de caos? Não houver mais um ordenamento correto, as forças institucionais não se entenderem, terá que haver um elemento moderador e pacificador nesse momento […]. Mantendo a estabilidade do país e não mergulhando o país na anarquia. Agindo dentro da legalidade, ou seja, dentro dos preceitos constitucionais, e usando a legitimidade que nos é dada pela população brasileira”, disse.
As Forças Armadas, de acordo com ele, estão atentas “para cumprir a missão” que cabe a elas. “Mas por enquanto nós consideramos que as instituições têm que buscar fazer a sua parte.”
O Exército, por meio de nota enviada à Folha, disse que “as declarações emitidas estão sendo objeto de análise pelo Comando da Força”. As afirmações do oficial na palestra foram antecipadas pelo jornal “Gazeta do Povo”.
Em setembro, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, afirmou que o subordinado não receberia punição pelas afirmações da época.
Hoje secretário de economia e finanças da Força, em 2015 Mourão foi exonerado do Comando Militar do Sul, em Porto Alegre, e transferido para Brasília após fazer críticas ao governo de Dilma Rousseff.
‘POVINHO CONTINUA’
Ao abrir sua fala nesta quinta-feira, o militar disse que faria uma análise de conjuntura e que apresentaria ali sua opinião dos fatos.
Ele discorreu sobre a crise política, econômica e de valores (que ele chamou de crise “psicossocial”) no Brasil, fazendo comparações com outros momentos históricos e países.
Numa referência às descobertas da Operação Lava Jato, o oficial disse que ter “as grandes empreiteiras praticamente se assenhorando do Estado” foi um exemplo de quando corporações desafiam os Estados nacionais.
Para Mourão, catástrofes ambientais e climáticas “passaram a nos assolar também”. “Aqui havia aquele velho ditado: não teríamos enchentes nem furacões. Teríamos apenas um povinho meio complicado. Agora temos enchentes, furacões, e o povinho continua aí.”
Ele também atacou a política econômica dos anos do governo do PT, citando iniciativas como a ampliação do crédito e o programa de desonerações.
Segundo ele, Lula, no segundo mandato, “sobrevivente ao mensalão, ele achou que podia tudo”. “E as comportas foram abertas do lado da incompetência, da má gestão e da corrupção.”
A polícia, afirmou, “vive o pior dos mundos”. “Porque, se ela atua em força contra o bandido, ela é estigmatizada pela imprensa. E, se ela cruza os braços, ela é omissa”.
Em outro momento, com tom de voz indicando ironia, o general afirmou: “A nossa infraestrutura logística, a maior parte dela, foi montada durante o período da cruel ditadura militar, aquela insana ditadura, né?”.
E concluiu: “De lá para cá praticamente nada foi feito [em infraestrutura]”.
CANDIDATURA
Mourão foi aplaudido sem parar durante um minuto, após falar por cerca de 45. Depois, ao longo de aproximadamente 50 minutos, ele respondeu a perguntas da plateia.
Diante de pedidos para se candidatar, o oficial respondeu: “Eu apenas digo uma coisa: não há portas fechadas na minha vida”. O militar disse que seu domicílio eleitoral é em Brasília e que passará para a reserva em 31 de março do ano que vem. Depois disso, deverá morar no Rio de Janeiro.
Militares da ativa são impedidos de participar de atividades político-partidárias. Para Mourão, a obrigação de se licenciar para concorrer a cargo eletivo é “saudável”.
Ele disse ter fé de que a Justiça irá brecar a candidatura do ex-presidente Lula em 2018 —o petista foi condenado pelo juiz Sergio Moro no caso do tríplex de Guarujá (SP) e pode ter a candidatura inviabilizada se a segunda instância confirmar a decisão.
Questionado sobre o presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que é militar da reserva do Exército, Mourão afirmou que o deputado federal “é um homem que não tem telhado de vidro, não esteve metido nessas falcatruas e confusões”.
“Ele terá que se cercar de uma equipe competente. […] Obviamente, nós, seus companheiros, dentro das Forças, olhamos com muito bons olhos a candidatura do deputado Bolsonaro.”
Ao fim do evento, o palestrante foi tietado por pessoas da plateia —muitas delas militares e familiares— e posou para fotos.
Uma das presentes, destacou o general ao microfone no início de sua fala, era Joseita Ustra. Viúva do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (um dos símbolos da repressão durante o regime militar), ela foi descrita pelo palestrante como “uma lutadora, uma grande mulher”.
*Folha de S.Paulo