As autoridades ligadas à segurança do Distrito Federal estão alarmadas desde que ocorreram as recentes fugas em massa de detentos ligados à maior e mais organizada facção criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital. No fim de semana, estimados 75 presos conseguiram escapar na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, que faz fronteira com o Brasil. Um dia depois, em Rio Branco, no Acre, 26 também fugiram. Nesta quarta-feira, o secretário da Segurança Pública do DF, Anderson Gustavo Torres, enviou um ofício no qual cobra informações do Ministério da Justiça, comandado por Sergio Moro, a respeito da situação. O objetivo, diz Torres, é preparar as forças locais caso haja a necessidade de intensificar o policiamento em Brasília e em seu entorno. O nervosismo das autoridades tem um pano de fundo: as autoridades temem que haja um recrudescimento da criminalidade por conta da presença de dez lideranças do PCC que estão na penitenciária federal da capital brasileira desde o fim do ano passado, por decisão de Moro. Entre os detentos, está o líder histórico da facção, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.
O secretário Torres, que é delegado da Polícia Federal, listou uma série de informações que elevaram a preocupação dos agentes locais: a descoberta pela Polícia Civil de um suposto plano de resgate de Marcola, a presença de militares e tanques de guerra do Exército no entorno do complexo penitenciário de Brasília, além das duas fugas em massa ocorridas nos dias 20, no Paraguai, e 21, no Acre. Ele pede que esclarecimentos “sobre o que realmente está acontecendo e o exato grau de ameaça que toda a população está exposta”.
Na terça-feira, Marcola foi escoltado por dezenas de policiais federais e militares das Forças Armadas para fazer exames de saúde no hospital de Base, na região central de Brasília. Ele percorreu um trajeto de 19 quilômetros entre o Complexo Penitenciário da Papuda e o hospital em um helicóptero da Polícia Federal. O fato alterou a rotina da capital federal.
A queixa das autoridades do DF é antiga. Assim que o Governo Jair Bolsonaro resolveu autorizar a transferências dessas lideranças para a capital federal, o Governo local reagiu negativamente. Chamou a decisão de erro estratégico, porque a cidade concentra os três poderes, os principais órgãos públicos do país e as representações estrangeiras de quase todos os países do mundo. O Ministério da Justiça amenizou então essa preocupação . Negou a possibilidade de danos à população. “Não há qualquer informação de que a transferência e a manutenção de lideranças de organização criminosa para o presídio federal de Brasília ofereçam riscos à população civil, aos prédios públicos ou às embaixadas”. Afirmou ainda que, nos outros quatro Estados onde há presídios federais (MS, PR, RO e RN) e, consecutivamente, concentram parte das lideranças de facção, não houve registros de queixas. Só do PCC há 22 líderes distribuídos nessas penitenciárias. Antes, eles estavam em presídios do interior de São Paulo, onde a facção foi criada e concentra cerca de 8.000 de seus 33.000 membros.
Soldados para a guerra
Dois policiais ouvidos pela reportagem disseram que uma das linhas de investigação trabalhada conjuntamente por agentes do Paraguai e de Rio Branco é que a fuga em massa de detentos ligados ao PCC visa reforçar as fileiras do PCC em pontos estratégicos. Alguns seriam usados no enfrentamento com facções rivais, como Família do Norte e Comando Vermelho, principalmente no Norte e Nordeste do Brasil. Nessas regiões ocorre há quase cinco anos uma intensa disputa pelas rotas de tráfico de drogas e que já resultou em uma série de matanças em penitenciárias de Manaus (AM), Boa Vista (RR), Nísia Floresta (RN) e Altamira (PA).
Oficialmente, a Polícia Federal disse que tem trocado informações de inteligência com outros órgãos, mas que não forneceria mais detalhes sobre o tema. Procurado, o Ministério da Justiça também não informou quais medidas têm adotado para ajudar na recaptura dos presos. No domingo, o órgão informou que o policiamento na fronteira com o Paraguai havia sido reforçado, mas nenhum fugitivo havia sido pego até o início da noite desta quarta.
Três especialistas ouvidos pela reportagem que estudam o PCC disseram que ainda é cedo para vincular a fuga no Paraguai à de Rio Branco a qualquer hipótese concreta. Els também desconfiam das informações sobre uma suposta tentativa resgate de Marcola. “Costumo acreditar que essas notícias de resgate do Marcola são maneiras de desviar a atenção. É comum ouvirmos essas notícias, mas quase nunca há provas desse planejamento”, afirmou o professor da FGV Rafael Acaldipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os pesquisadores ouvidos, contudo, concordaram que as ações foram bastante planejadas, principalmente a de Pedro Juan Caballero. “Quando se olha no todo, percebe que não é coisa de de amador”, afirmou a desembargadora Ivana David Boriero, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Magistrada há 29 anos, Boriero foi uma das primeiras a assinar uma sentença de condenação de Marcola à prisão. “Ninguém faz uma ação desse tamanho para retirar zé ruela da cadeia”, completou Acaldipani.
Considerada uma das principais estudiosas sobre facções criminosas, a socióloga Camila Nunes Dias, professora na Universidade Federal do ABC, diz que a atuação do PCC hoje no Paraguai é semelhante a que o grupo tinha no Brasil no início dos anos 2000. “O PCC criou uma nova dinâmica criminal no Paraguai. É violenta como foi no Brasil no passado”, afirmou. Para ela, o desafio das autoridades paraguaias agora é aprender como combater o grupo criminoso. “Em São Paulo, por exemplo, não consigo imaginar a ocorrência de uma fuga desse tamanho.”
E por qual razão, o Paraguai tornou-se um entreposto importante para o PCC? Segundo os pesquisadores, essa é uma das principais rotas de transporte de maconha paraguaia e de cocaína boliviana. Como a Bolívia tem poucos acessos terrestres para o Brasil, é pelo Paraguai que grande parte da carga ilegal acaba entrando. Depois, a carga é redistribuída para o consumo local nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul ou levada para os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), de onde seguem para a Europa e para o norte da África.
Informações de inteligência policial dão conta que há cerca de 500 criminosos afiliados ao PCC em terras paraguaias. O número tem crescido depois do assassinato cinematográfico de Jorge Rafaat Tomauni em 2016. Ele era considerado o rei da fronteira e controlava o tráfico local. Conforme as autoridades Rafaat autorizava outros traficantes a transitar pela região e o PCC não queria pagar esse pedágio a ele. A suspeita é que faccionados do PCC e de outros grupos criminosos o mataram para facilitar o trânsito da droga.