Os fósseis encantam, despertam a curiosidade e a imaginação de pessoas de todas as idades. Existem diversos tipos de fósseis sendo eles muitas vezes de animais, como os dinossauros, ou microfósseis, encontrados em diversas unidades geológicas, em abundância ou não. Através dos fósseis podemos conhecer melhor a história do planeta Terra e também permitir o desenvolvimento social e humano.
O Brasil possui uma enorme diversidade de fósseis, sendo muitas vezes microscópicos, o que torna praticamente impossível acreditar que haja uma preservação indiscriminada de todo esse material em museus, universidades ou instituições de pesquisa, ou até mesmo em campo, nos afloramentos aonde eles ocorrem. Segundo Marjorie Csekö Nolasco, professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Conselheira Federal Suplente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) os estudos para levantamento e preservação dos fósseis são diferentes do que vemos nas áreas biológica e arqueológica. Também há um conflito social invisível, que é a criminalização e não reconhecimento dos “invisíveis da ciência”, aqueles que encontram fósseis durante o processo artesanal da lavra da rocha nas pedreiras – sem constituir empresas de mineração formalizadas – e não possuem nenhum tipo de direito ou mesmo reconhecimento sobre os materiais que descobrem.
A legislação brasileira de proteção dos fósseis é bastante antiga. Há quase 80 anos, Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei Nº 4.146/1942 estabelecendo que os depósitos fossilíferos são propriedade da nação e a extração dos fósseis depende de uma autorização prévia por parte do Estado. Na época, os fósseis eram, essencialmente, os restos de animais que podiam ser dissociados das rochas, sendo, quase sempre, partes de esqueletos de répteis ou mamíferos. Hoje, a compreensão daquilo que se considera fóssil é muito mais ampla, o que impõe discutir e atualizar a legislação brasileira.
O fóssil é, muitas vezes, também entendido como recurso mineral, gerando ambiguidades até então não imaginadas. Segundo Caiubi Kuhn, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e diretor da Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO), embora a venda de fósseis não seja regulamentada no Brasil, a venda de calcário, extraído de áreas de mineração onde a rocha é formada basicamente por fósseis, ocorre em diversas partes do país. Em muitos outros casos, rochas que contém fósseis com pouco apelo midiático são usadas como aterro em obras civis. Na legislação atual, não ficam claros os critérios para saber quando um fóssil deve ser classificado como um exemplar raro e, neste caso, ser encaminhado a coleções museológicas, ou como uma ocorrência comum.
Para o Geólogo Ricardo Latgé, ex-presidente da FEBRAGEO, que trabalhou por anos no campo da Geociências, na Petrobras, o Estado deve continuar sendo um grande tutor do patrimônio fossilífero brasileiro em articulação com museus, a academia e instituições de pesquisas. “O desafio está em ser mais seletivo do processo de reconhecimento e preservação daqueles fósseis e sítios paleontológicos valiosos para história do planeta e para a preservação como patrimônio cultural ou mineral do país”, afirma Latgé.
Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador 1A do CNPq, Ismar de Souza Carvalho, é preciso retirar o caráter sacralizado dos fósseis como elementos que não podem ser tocados ou mesmo comercializados. “Fóssil é rocha, fóssil é mineral, com a função de prospecção de recursos naturais e para o entendimento da história geológica da Terra. Com a revisão da legislação vamos impedir a criminalização da atividade científica, a criminalização da extração mineral em locais onde haja fósseis e um real avanço do conhecimento científico no âmbito da paleontologia brasileira. ”
O que a FEBRAGEO está propondo é que os fósseis sejam vistos como parte do patrimônio mineral. Porém, a legislação pertinente deve atentar para aquilo que tem valor científico, portanto, patrimônio de todos os brasileiros, como espécimes corriqueiros que podem ser objetos destinados a escolas ou mesmo vendidos. Para avançar neste caminho, é necessário que qualquer empreendimento, minerário ou em outra atividade econômica, tais como obras civis, que exija intervenção na natureza e que envolva rochas sedimentares, tenha um estudo prévio do potencial fossilífero. A partir desse estudo, defina-se o que merece ser preservado ou descartado, seja na forma de doações ou venda. Para isto, é necessário que a Agência Nacional de Mineração (ANM) normatize as etapas da pesquisa paleontológica e de eventuais programas paleontológicos, relacionados a empreendimentos minerais ou obras de engenharia. Esta solução segue o caminho de outros tipos de políticas públicas existentes e permitirá criar um banco de dados público com as informações bem mais precisas das ocorrências de fósseis no Brasil, facilitando a preservação daquilo que é realmente importante. A partir destas regulamentações será possível mais segurança jurídica à atividade mineral, as obras civis e aos pesquisadores envolvidos com a paleontologia.
O desafio está posto à comunidade geocientífica brasileira, ao setor empresarial e fundamentalmente ao Governo. É a este que cabe a habilidade de valorizar adequadamente os dois lados da moeda: preservar o valioso patrimônio natural para a humanidade, que são os fósseis presentes no território nacional, e romper limitações artificiais à exploração de jazidas sedimentares, essenciais ao desenvolvimento do Brasil, onde a eventual presença de fósseis como constituintes da rocha é apenas um atributo.
Texto: Radharani Kuhn