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Em Nova Itarana, vereadores aprovam novo Plano de Carreira sem conhecimento dos profissionais da educação

Como se diz no popular, no apagar das luzes, depois do término do ano letivo, e sem nenhum conhecimento dos professores do município, o Prefeito de Nova Itarana, Danilo Italiano, mais popularmente conhecido como Danilo de Zeu, encaminhou para Câmara de Vereadores o Projeto de Lei instituindo um novo Plano de Carreira para os profissionais da educação. Na mensagem do Projeto encaminhado a Câmara, o prefeito diz que a instituição do Projeto visa “uma carreira profissional estável e justa, com remuneração condizente com o seu nível de formação e qualificação, e condições adequadas de trabalho”.

Ocorre que em 14 de março de 2023, a Prefeitura Municipal publicou no Diário Oficial contratação da empresa Gestão Pública e Empresarial LTDA, com sede no município de Amargosa, para prestação de serviços técnicos especializados na elaboração e atualização de cargos e salários dos profissionais da educação, pelo valor de R$ 10.000,00. Na justificativa da contratação expressa na publicação oficial, a prefeitura ainda diz que pretende em ajustar o plano “as expectativas dos servidores”. Contudo, a própria contratação da empresa para elaboração do novo plano não foi divulgada para os profissionais da educação, não havendo sequer, segundo relatos dos docentes, formalização de comissão para essa reestruturação. A própria APLB quando soube da contratação da empresa pelo Diário Oficial, procurou a Secretária de Educação, Profa. Viviane Cerqueira, disse de maneira informal que constituiria comissão e convidaria a APLB para participar das discussões, o que segundo o presidente da APLB, Prof. Renivaldo, não ocorreu.

Para surpresa dos profissionais da educação, o Prefeito Danilo de Zéu, encaminhou para Câmara o Projeto instituindo um novo plano de carreira no 18 de dezembro, para votação já no dia 19. O presidente da Câmara Municipal, Vicente Neto Cardoso Amaral, que já foi Secretário de Educação, publicou no dia 19/12, no site da Câmara ordem do dia Nº 035/2023 com previsão de votação do Projeto para a sessão de 18 horas do mesmo dia, última terça-feira. No entanto, com a queda de energia ocasionada pelas fortes chuvas que atingiram a região, o município de Nova Itarana ficou sem energia e a sessão foi suspensa.

Com a suspensão, no dia 20 a APLB/Sindicato solicitou através de ofício ao Prefeito e a Secretária de Educação cópia do Projeto de Lei. Enquanto isso, a Prefeitura e a Câmara continuavam a articulação para remarcar a sessão de votação do Projeto, sem divulgar se aconteceria no próprio dia 20 ou dia 21. Apenas por volta das 16 horas do dia 21, o Prefeito e a Secretária de Educação responderam o ofício, sem encaminhar a cópia do projeto, dizendo que “o mencionado projeto seguiu o processo natural, ou seja, o prefeito do município de Nova Itarana encaminhou à Câmara de Vereadores para votação e discussão. Assim, o projeto está disponível para consulta pública na Câmara Municipal”.

Nos bastidores, o Presidente da APLB fazia contato com vereadores e funcionários da Câmara para saber se ocorreria a sessão no dia 21. Apenas às 17 horas recebeu a confirmação que ocorreria sim, informados pelo edil Everaldo Vaz de Matos, conhecido com Vel, único vereador que ficou ao lado dos professores na votação.

Para o presidente da APLB/Sindicato, “a não confirmação com antecedência de que ocorreria a sessão, e o não fornecimento do acesso ao projeto de Lei, foi uma estratégia para não mobilizar os professores a participarem da sessão. Para complicar mais ainda, na hora da sessão nossa cidade foi atingida por fortes chuvas. Mesmo assim, alguns professores e a diretoria da APLB conseguiram se fazer presentes na sessão”.

Também participou da sessão, o Prof. Renê Silva, que é uma referência para a educação baiana, e uma das grandes referencias na discussão sobre legislação educacional e planos de carreira. Renê é servidor público efetivo do município de Nova Itarana como Coordenador Pedagógico, e coordenou a elaboração do Estatuto e Plano de Carreira do município de Nova Itarana no ano de 2013, na gestão do então prefeito Eduardo Alves. “Tomei como surpresa quando soube do envio intempestivo deste projeto de Lei pelo Prefeito e a Secretária de Educação para a Câmara de Vereadores, sem nenhum diálogo com os profissionais da educação. Quando elaboramos o Estatuto e Plano em 2013, nós constituímos uma comissão com ampla representação dos profissionais, inclusive, o atual presidente da Câmara participou na época representando a Câmara. Fizemos inúmeros encontros de estudos e discussões para elaboração, e antes de enviar para Câmara, ainda realizamos um Seminário de Apresentação todos os profissionais. E agora, as escondidas, o Prefeito e a Secretária encaminham um projeto que institui outro plano, sem nenhum diálogo, sem a gente ter acesso ao que foi elaborado e que diz respeito a nossa vida profissional”.

Antes do início da sessão, o vereador Vel entregou ao presidente da Câmara requerimento solicitando o adiamento da votação do Projeto de Lei, uma vez que a apreciação do Projeto não seguiu o que dispõe o regimento interno da Câmara. O Projeto não seguiu os prazos regimentais, não passou pelas comissões não sendo apresentado os respectivos pareceres, e não foi votado pedido de urgência. “O requerimento foi com base no que dispõe o regimento interno da casa, que não foi observado. Eu fui o único vereador que teve acesso ao Projeto de Lei impresso, porque exigi quando fui informado que teria essa votação. Só eu estava com o projeto em mãos na sessão. Como votar um projeto tão importante sem ler, sem discutir”, pontuou o vereador.

A APLB/Sindicato também entregou ao Presidente da Câmara uma Carta assinada por diversos professores solicitando a não votação do projeto para que a categoria tenha acesso ao texto e que este seja discutido. O requerimento e a carta foram lidos na abertura dos trabalhos, mas o requerimento não foi colocado em votação.

O presidente da Câmara, Vicente Neto, convidou o contator da Prefeitura Moacir Bernardino e o representante da consultoria contratada, apresentado como Léo, para fazerem a apresentação do Projeto de Lei e esclarecerem dúvidas dos vereadores. Para o Prof. Renê Silva, a apresentação foi extremamente constrangedora para todos os presentes, “há muito tempo eu via um ambiente tão constrangedor. Os convidados para apresentação de uma Projeto de Lei com 48 páginas, que trata da vida funcional dos profissionais da educação, sequer se prepararam para estarem ali. Não trouxeram qualquer material de apoio, nenhuma sistematização, apenas explanaram de maneira vaga elementos que ao olhar deles eram mais importantes, procurando afirmar a todo momento que o plano era um ganho para os profissionais e que não haveria perdas. Acho que cada um não falou sequer 5 minutos e abriram para perguntas dos vereadores. Perguntar o que sem ter tido acesso ao projeto ou realizado a leitura?”.

O vereador Vel foi o único que questionou o processo atropelado que estava ocorrendo, e foi a voz dos professores ao reforçar a solicitação de adiamento da votação, com base no regimento interno e na necessidade de que a categoria tivesse acesso ao texto e pudesse discuti-lo. “Por muitas vezes o silencio reinou por longos períodos na sessão. Estava claro que nenhum vereador leu o Projeto, apenas o vereador Vel estava com o projeto sobre a bancada, mas mesmo ele foi honesto em reconhecer que em curto tempo não dava para ler detalhadamente. Alguns vereadores ainda tentaram justificar envergonhadamente que em conversa com o presidente da Câmara ou o prefeito, estes haviam explicado que o Projeto só trazia benefícios para os profissionais da educação. Na verdade, demonstravam total confiança no prefeito, mas estavam constrangidos com nossa presença e nossos questionamentos”, pontua o Prof. Renê Silva.

O presidente da APLB/Sindicato, Prof. Renivaldo havia feito a inscrição para uso da palavra na sessão do dia 19/12, que não ocorreu. Contudo, o presidente da Câmara não queria autorizar que ele fizesse o uso da palavra nesta sessão. Mas, pelo clima de constrangimento causado pela falta de acesso ao documento com antecedência pelos vereadores, sobretudo com os questionamentos do vereador Vel, o presidente franqueou a palavra para alguns dos presentes na plateia. “A Profa. Natalice, que é da diretoria da APLB, questionou o porquê o Projeto não foi dialogado com os profissionais da educação, ficando sem resposta. Renivaldo também pontou várias questões que não tiveram respostas convincentes por parte do Sr. Moacir e do Sr. Léo, que ficaram sempre tentando afirmar que não haveria prejuízos e que o grande ganho era a incorporação dos demais profissionais no plano. Eu apenas destaquei o processo de elaboração do plano de 2013 que foi participativo, e questionei o porquê deste processo antidemocrático, também ficando sem respostas”, destaca o Prof. Renê Silva.

Ao final, o Projeto de Lei que reestrutura o Plano de Carreira foi colocado em votação pelo presidente da Câmara, obtendo aprovação de 8 dos 9 vereadores. Apenas o vereador Vel votou contra, sobretudo pelo Projeto não ter seguido os tramites definidos pelo regimento interno da Câmara.

 

BREVE ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES DO PLANO

 

Ao final da sessão, o vereador Vel entregou a versão impressa do Projeto de Lei aprovado para o Prof. Renê Silva, que fez uma primeira leitura pontuando alguns pontos de mudança para a carreira dos profissionais da educação do município.

“Ainda farei uma análise mais aprofundada, mas com uma primeira leitura já pude constatar alguns elementos que os profissionais de Nova Itarana precisarão avaliar se as configuram como prejuízos ou melhorias para a carreira. Uma primeira questão que destaco, é que se me perguntassem se o plano de carreira de Nova Itarana precisava de ajustes, alterações, modernização, é claro que eu responderia que sim. Os planos de praticamente todos os municípios precisam, sobretudo porque o Plano Nacional de Educação e respectivamente os Planos Municipais de Educação, preveem planos de carreira para todos os profissionais da educação. Agora, nenhuma discussão sobre alterações, ajustes devem ser realizadas sem a participação e conhecimento dos profissionais da educação. E também há a necessidade de adequação de muitos planos ao que dispõe as Diretrizes Nacionais para os Novos Planos de Carreira fixadas pelo Conselho Nacional de Educação. O Projeto aprovado não observa estas normativas, permanecendo desatualizado. Mas, para além disso, ao contrário do que disse os representantes do poder executivo que estiveram na sessão de aprovação do Projeto de Lei, o Plano retira sim direitos dos professores. O Plano aprovado retira as gratificações de exercício de docência em classe de alunos com necessidades educacionais especiais, retira a gratificação pelo estímulo às atividades de classe, pelo estímulo às atividades de suporte técnico-pedagógico à docência e a gratificação pela dedicação exclusiva. A nova Lei também retirou a progressão na carreira pela promoção funcional por referência.  Todas estas vantagens estavam previstas no plano anterior e deixam de existir com o novo plano. Além disso, altera a fórmula de cálculo da gratificação pela atividade complementar (AC) que antes incidia 10% sobre o vencimento base. Agora, permanece os 10%, mas o cálculo foi fixado tendo como referência no Nível I, Classe A. Assim, ao mudar de nível e de classe, o que modifica o salário base, o professor continuará com o mesmo valor de AC. Outro ponto de atenção, é a gratificação por aperfeiçoamento profissional, que até incluíram uma nova possibilidade de avanço com cursos de duração mínima de 80 horas, mas que incluíram um parágrafo que estipula que para fins de gratificações “somente serão valorados os cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação – MEC e/ou Secretaria Estadual de Educação – SEC”. Fica a pergunta, então cursos de formação continuada promovidos pela própria secretaria municipal de educação e outras instituições educacionais não será validado para recebimento da gratificação de aperfeiçoamento? O no plano também reduziu os percentuais de mudança de nível de Mestrado e Doutorado e estipulou que apenas no mês de outubro os profissionais poderão dar entrada nas solicitações, e após deferimento, o recebimento passará a ser recebido no ano seguinte. Na sessão da Câmara, o grande argumento para aprovação era que os demais profissionais estariam sendo incluídos no plano, e que agora o plano passaria a contemplar todo mundo. Tem menos de meia verdade aí. O plano cria o Grupo Ocupacional de Apoio Administrativo Escolar composto por Psicólogo, Nutricionista, Auxiliar de Ensino, Secretario Escolar, e pasmem, Fisioterapeuta. Para esses profissionais, a carreira prevista é a mesma estrutura da carreira dos profissionais do magistério, tendo mudança apenas nos percentuais de mudança de nível e gratificações. Um control C e control V sem levar em consideração das especificidades das funções, e sobretudo o que dispõe a Resolução nº 5/2010 do Conselho Nacional de Educação sobre as Diretrizes para os Planos de Carreira e Remuneração dos Funcionários da Educação. E a inclusão de Fisioterapeuta como profissional da educação não se justifica. Como se não bastasse, não há carreira estabelecida com mudança de níveis e valorização profissional para as merendeiras, auxiliares de serviços gerais e auxiliar administrativo. O plano apenas diz no art. 90 que estes profissionais compõem o quadro suplementar do grupo ocupacional de apoio administrativo escolar, sem descrever suas possíveis vantagens e movimentação na carreira. Ganhos, apenas para os diretores escolares, que tiveram aumento nas respectivas gratificações. Existem outros pontos que merecem destaque, mais que ainda estou concluindo a análise. Em síntese, o plano trouxe sim prejuízos para a carreira dos profissionais do magistério, não valoriza os demais profissionais da educação, e continua sendo um instrumento desatualizado que não contempla os avanços promovidos pelas normativas atuais”, conclui o Prof. Renê Silva.