Será que estamos retornando ao estado de natureza, onde segundo Hobbes, os homens podem todas as coisas, para tanto, utilizam todos os meios para atingi-las? Será que como nos diz esse autor, os homens são mesmo maus por natureza? Faço essas provocações diante dos acontecimentos atuais na nossa sociedade, onde diante de alguns dias de greve da Política Militar da Bahia, assistimos a diversas situações que nos convidam a refletir sobre o nosso estado de natureza.
Não quero e nem vou aqui entrar no mérito, nos interesses políticos ou na legalidade da greve, mas quero convidar o leitor para a reflexão sobre nossa conduta, o comportamento humano desencadeado por este fato e como fica a educação e nossas escolhas neste contexto.
Foi só a greve ser deflagrada para assistirmos, sofrermos com ondas de saques, roubos e assassinatos. É claro que, independentemente da greve, muitos dos crimes noticiados como consequências da greve, teriam ocorrido do mesmo jeito. No entanto, muitos atos criminosos, parecem ter ocorrido por conta da sensação de ausência da “vigilância policial”.
Quer dizer que se não tivermos a polícia, seja ela militar, civil, ou o exército estamos fadados ao mesmo final do acontecimento da “Jangada da Medusa” de Théodore Géricault, onde dos 400 tripulantes iniciais apenas 10 chegaram ao final e os outros foram vítimas de mortes brutais e até atos de canibalismo entre eles pela sobrevivência?
Quero destacar, além destes crimes explícitos, outro que está ocorrendo e tomando ares de normalidade. O terrorismo digital que está sendo feito pelas redes sociais. Muitas pessoas, sobretudo aquelas que têm opção política contrária ao atual governo, aproveitaram a greve para espalhar pelas redes sociais o terror, tanto quanto a atos criminosos, que muitas vezes não estavam ocorrendo, quando para espalhar distorções de informações, tentando manipular as pessoas.
Aliás, essa manipulação se tornou uma forte arma política nas redes sociais. Todos os dias são criados factoides, notícias falsas, que muitas, inúmeras, milhares de pessoas compartilham sem fazer nenhuma criticidade, sem checar a fonte, sem questionar a intencionalidade, simplesmente porque são contra ou não gostam de A ou B. Veja que no mês de março, a falta de criticidade foi tão grande, que muitos jovens, que não se dão o trabalho de estudar a história recente do nosso país, compartilharam ideias de intervenção militar no Brasil, um novo golpe de Estado.
A grande questão é, como fica a educação diante deste novo contexto, onde muitas vezes os alunos, e pasmem, professores já chegam na escola infectados destas “verdades virtuais”? Será que a escola está dando conta de colocar em seu currículo essas discussões, ou está presa ao ensino das gramáticas e tabuadas?
Dentro de uma concepção emancipatória, a educação tem o papel da denúncia, de identificar as várias formas de alienação a que somos conduzidos pelas ideologias, e por outro lado, tem também o papel de propor uma nova realidade social. Vivemos um momento de disputas, e é preciso compreender o lugar das falas, para propor uma alternativa. Ocupar os espaços e tencionar as discussões, debater caminhos possíveis.
Os representantes da burguesia, do capital, os empreiteiros, banqueiros, donos do agronegócio e representantes das indústrias estão financiando seus candidatos e utilizando a todo momento a grande mídia e as redes sociais para disseminar o caos e o ódio, tentando influenciar a população de que nosso país está um caos. E muitos estão levantando essa bandeira sem nenhuma criticidade, e o que mais preocupa, é ver os reacionários, os legítimos defensores do capital, surgirem como salvadores da pátria, e para estes, “não é lícito fingir que somos o que não somos” (José Ortega y Gasset).
Será que o país está mesmo este caos todo? Como viviam os trabalhadores a 15 anos atrás? Como era a saúde, a educação, a segurança pública? E a situação de infraestrutura do nosso país, nas nossas cidades? Só agora a corrupção surgiu? Como era o acesso a educação, as universidades? Não é questão de justificar os problemas que temos hoje, mas é questão de buscar uma reflexão histórica, procurando compreender os avanços e o por que de muitos problemas ainda não terem sido superados. Acredito que a educação pode contribuir muito com a reflexão destas questões, sobretudo propondo o debate histórico, dando subsídios verdadeiros que contribuam para que as pessoas tenham condições reais de chegarem as suas próprias conclusões, não servindo de massa de manobra. É preciso compreender historicamente nossas conquistas, para a partir delas, fazer as críticas ao que ainda não temos, porque não temos, identificando as forças e interesses conflitantes, para com consciência saber definitivamente qual o caminho seguir.