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Edione Agostinone: da diáspora às tranças que ecoam por liberdade em mais de 6 milhões de visualizações

 

No dia 20 de janeiro de 2023 um vídeo postado nas redes sociais da prefeita em exercício do município de Jaguaquara/BA, no Vale do Jiquiriçá, a aproximadamente 365 Km da capital baiana, se tornou viral no Instagram de Elise Liz, alcançando mais de 6 milhões de visualizações.

As cenas do vídeo demonstram uma criança da Comunidade Quilombola Ocrídio Pereira dos Santos trançando os cabelos da prefeita, enquanto ela realizava um diálogo com os funcionários e responsáveis pela obra que estava sendo anunciada durante a visita a comunidade, onde seria construídas 20 casas para as famílias quilombolas.

A comunidade remanescente de quilombo da cidade de Jaguaquara por muitos anos passou invisibilizada por parte da população local. As dificuldades enfrentadas e a busca por melhores condições de vida para os negros tem raízes históricas de negação dos direitos, reforçadas na formação social da mente da população brasileira. Desde a “libertação” dos escravos, o povo preto foi deixado a mercê. Atualmente muitas dessas comunidades são amparadas pelo assistencialismo de grupos religiosos, trabalhos voluntários e das ações dos setores de desenvolvimento social, pois vivemos a escassez de políticas públicas para população negra, destacando neste cenário as comunidades tradicionais e remanescentes. Tais fatores, os tornaram resistentes, pois tiveram suas identidades violentadas pelas dores da escravidão. Em nosso cotidiano há um  reforço gritante das desigualdades sociais entre negros e brancos, expondo-os a situações de vulnerabilidade social, exclusão e enfrentamentos cotidianos pela subsistência, vivendo uma constante violação a dignidade humana em nosso país.

A aproximação da atual gestora com a comunidade veio de muito antes da sua atuação em frente a pasta municipal, se deu desde sua estadia na função de Secretária de Desenvolvimento Social na gestão anterior, na qual acolheu essa comunidade, projetando melhoria da qualidade de vida daquelas famílias como ideal a ser alcançado enquanto Assistente Social. Edione Agostinone, mulher de fibra, coragem e idealizadora das políticas de assistência aos grupos minoritários, tornou-se após 100 anos de emancipação política a primeira mulher a ocupar o Executivo Municipal, comprometeu-se com a comunidade que mudaria aquela dura e triste realidade.

Há alguns meses as barreiras de aproximação com a comunidade vem sendo quebrada, nas ruas, que antes eram de difícil acesso, foram realizadas pequenos reparos para facilitar o acesso dentro da comunidade. Mas o sonho de melhorar a vida das famílias estava apenas começando. Como marco divisor de águas de sua gestão, após uma busca incansável por recursos, a egrégia prefeita municipal deu início a obra de construção das novas casas em fevereiro de 2023 para as famílias que ali residem.

O que  chama atenção de muitos no vídeo que viralizou nas redes sociais é a agilidade da criança ao tecer a trança, o afeto e afago. Porém, para além do ato, está os saberes e fazeres ancestrais ali demonstrados. Para os povos remanescentes de quilombo, na cultura do povo preto as tranças têm todo um significado subjetivo, simboliza literalmente a fuga para liberdade durante o período de escravidão.  Mais do que manusear o cabelo, dando uma forma, as tranças são símbolos de poder, luta, resistência ostensiva, desejo pela liberdade.

Na formação identitária da população negra, a trança, tem um importante papel social e cultural. Para Lody (2004) cuidar dos cabelos é antes de tudo, cuidar da cabeça, um espaço profundamente simbólico. É, por extensão, cuidar da pessoa. Pentear os cabelos é um momento ritualizado de vivenciar tudo que a cabeça representa para a pessoa e para seu grupo. O ato de cuidar da cabeça do outro é proteção, é zelar pelo ori (cabeça em iorubá), o que governa o corpo.

Assim, a demonstração de afeto exercida pela criança está impregnada de identidade e ancestralidade, Hall (2003), ao pensar a identidade cultural, estabelece um entendimento em que os valores culturais são mantidos como elementos permeáveis às mudanças empreendidas pelas migrações territoriais. É um grito de liberdade, as representações de luta ancestral pelo fim da escravidão, da invisibilidade. Ele não falou, ele ecoou liberdade. Edione Agostinone se torna sinônimo de força, promessa de liberdade para aquele povo e esperança de mudanças em uma quebra de paradigmas sociais.

Sobre a autoria do artigo: 

 

Evanilda Teles dos Santos Pedrosa
Mestra em Relações Étnicas e Contemporaneidade PPGREC/UESB
Especialista em Políticas Públicas da Educação

REFERÊNCIAS

HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidade e Mediações Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

LODY, Raul. Cabelos de Axé: Identidade e Resistência. Rio de Janeiro: Editora SENAC Nacional, 2004.