O governador de São Paulo, João Doria, confirmou pela primeira vez que quer ser o candidato do PSDB a presidente da República em 2022. “Vamos disputar as prévias, respeitando todos os candidatos. Mas vamos trabalhar pra vencer. E somar forças com todos para fortalecer a candidatura do PSDB. E ajudar o Brasil”, disse o tucano.
O anúncio formal foi feito logo após a definição das regras para a realização de prévias na sigla, na qual a posição de Doria por universalidade no peso do voto dos filiados foi derrotada. Se a disputa fosse hoje, ele enfrentaria o senador Tasso Jereissati (CE), o governador Eduardo Leite (RS) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. Mas ainda há bastante tempo até 21 de novembro, quando as prévias irão ocorrer.
A Executiva do partido sinalizou, ao aprovar regras contrárias às desejadas pelo governador, que ainda há uma ladeira a ser subido caso ele queira a nomeação —isso para não falar na necessária unidade partidária para tocar uma candidatura nacional. Ainda assim, a manutenção das prévias acabou solapando a estratégia do grupo do deputado Aécio Neves (MG), que vem defendendo que o PSDB abra mão da candidatura própria. Ele e Doria são adversários, e o mineiro queria adiar as prévias para ganhar tempo.
Nas contas tucanas, o governador teria cerca de 35% a 40% dos votos hoje no partido —são precisos 51% para evitar um segundo turno, a ser realizado sete dias depois do primeiro.
Para Wilson Pedroso, secretário de Doria que coordenou as prévias disputadas por ele em 2016 e 2018 e voltou à função, a derrota na Executiva não altera os planos. “Nada muda na nossa estratégia, até porque somos filhos das prévias”, disse.
É a primeira vez que o governador assume publicamente sua pretensão, um segredo de polichinelo na política nacional, telegrafada desde que ele ascendeu na política ao derrotar o então prefeito paulistano Fernando Haddad (PT).
À frente da maior cidade do país, esse empresário que adotou um discurso modernizador de centro-direita começou a se projetar, causando desconforto ao fiador de sua candidatura, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Doria era um ente exógeno ao intrincado jogo político do PSDB, talvez o partido mais dado a intrigas e traições desde a redemocratização de 1985. No começo de 2015, ele havia pedido a Alckmin o direito de disputar prévias contra o ungido pelo partido para o pleito, o então vereador Andrea Matarazzo.
Ligado ao senador José Serra, Matarazzo tinha apoio da velha guarda tucana. Alckmin, na primeira conversa com Doria, o enrolou com seu tradicional olhar para baixo finalizado com um “pode tocar a ideia”.
Com o tempo, adotou o empresário como forma de ampliar seu poder no estado, mas o partido rachou na disputa, que incluiu o deputado Ricardo Trípoli. Doria venceu e saiu de 3% em pesquisas para ganhar a eleição em primeiro turno.
Uma vez no cargo, contudo, o empresário agiu por conta própria e ao fim de 2017 já era chamado de traidor pelos aliados de Alckmin, dado que era cortejado por políticos de siglas aliadas a ser o presidenciável tucano em 2018.
O governador reagiu, tomou o controle do partido e montou uma ampla coalizão, só para acabar a eleição em que Jair Bolsonaro foi eleito num humilhante quarto lugar, com menos de 5% dos votos.
Doria, por sua vez, alçou um voo arriscado e largou a prefeitura para disputar o governo paulista no mesmo pleito. Paga até hoje o preço em rejeição na capital e teve de pegar carona na onda conservadora.
Bolou o voto BolsoDoria que por fim o levou a derrotar o governador Márcio França (PSB), que era vice de Alckmin, no segundo turno.
Passou o ano de 2019 todo tendo de responder por sua opção de votar em Bolsonaro, ao mesmo tempo em que ensaiava o afastamento do Planalto. A pandemia da Covid-19 de 2020 mudou todo o jogo.
Doria assumiu o protagonismo entre os governadores na disputa com Bolsonaro pela condução da crise sanitária. Defendendo uma posição pró-ciência, em antagonismo ao negacionismo do presidente, ganhou musculatura política e discurso.
Identificado como adversário preferencial de Bolsonaro, Doria trabalhou para trazer a vacina chinesa Coronavac ao país. Tinha em mãos um instrumento único, o Instituto Butantan, e sua jogada de anunciar o início da vacinação acabou por pressionar o Planalto a entrar na corrida pelos imunizantes, com atraso.
Hoje, Doria colhe frutos políticos de sua decisão, que já tem um segundo tempo pronto com a aposta na Buntanvac, uma vacina mais eficiente em desenvolvimento no Butantan.
Foi chamado nesta semana de “pai da vacina” pelo prefeito carioca Eduardo Paes (PSD), um apelido que seu entorno adoraria ver nacionalizado.
Para entusiastas da sua candidatura, o imunizante é um passaporte para vender Doria fora de São Paulo. A rejeição à sua figura é notória em pesquisas qualitativas de partidos, particularmente no populoso e mais carente Nordeste.
Como é incerto o peso relativo do tema em 2022, embora certamente a peste estará entre nós, o outro foco do tucano é a economia.
O estado trabalha com a estimativa de ter R$ 21 bilhões à mão até o ano que vem para investir em obras públicas, tentando puxar o tipo de emprego que não tem tido índices melhorados pelo crescimento do Produto Interno Bruto.
Naturalmente, o governador precisa primeiro ganhar as prévias tucanas. Tendo enfrentado disputa dura em 2016 e mais tranquila em 2018, ele diz sempre a aliados que vai até o fim, uma indicação de que se o PSDB lhe fechar as portas, a postulação ocorrerá por outro partido.
Se por fim lograr ter a legenda de forma consistente, Doria terá dois desafios imediatos. Um, unir o PSDB, que só teve chance real de voltar ao poder federal que ocupou de 1995 a 2002 em 2014, quando o partido caminhou junto com Aécio Neves.
A tarefa não será fácil, a começar pela situação doméstica, com Alckmin insatisfeito pela chegada do vice de Doria, Rodrigo Garcia, ao PSDB —o ex-governador quer disputar o Palácio dos Bandeirantes, e pode até deixar o partido. Com efeito, Alckmin não participou da votação nesta terça.
Depois, mais importante, o governador terá de se mostrar viável o dito centro democrático, uma geleia que no Brasil vai de Ciro Gomes (PDT) à esquerda a uma miríade de nomes mais à direita —Luiz Henrique Mandetta (DEM), o apresentador Luciano Huck e outros.
No plano de Doria, o binômio vacina-economia lhe garantiria vitrine para conquistar a vaga de Bolsonaro no presumido segundo turno contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Historicamente, o tucano é um ferrenho antipetista, tendo criado o movimento Cansei! em 2007, e a guerra da pandemia o credenciou a se mostrar com antibolsonarista, apesar do passado de 2018.
O problema do governador é que hoje poucos aliados potenciais acreditam que ele consiga encarnar esse personagem que não é nem Lula, nem Bolsonaro, fora de um nicho mais elitizado. E o centrão por ora considera a eleição fechada nos dois antagonistas.
No mais recente Datafolha, Doria patinava nos 3% de intenções de voto em pesquisa estimulada. O tucano havia armado um arcabouço que previa DEM e MDB no seu barco, mas o primeiro partido implodiu, embora ainda possa ser recuperado.
Já a trágica morte de Bruno Covas (PSDB) acabou dando as chaves da prefeitura paulistana para os emedebistas, o que pode reforçar o vínculo com Doria —ou não.
Nas contas de seus aliados, até o fim do ano o show será dominado por Lula em ascensão e Bolsonaro sob fogo nas ruas e na CPI da Covid, mas eles acreditam que a situação nas pesquisas pode mudar com a maior exposição do tucano como um candidato a presidenciável assumido. Por Igor Gielow/Folhapress