A votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios, que autoriza o governo a gastar mais em ano eleitoral e viabiliza o programa social com a marca de Jair Bolsonaro (sem partido), se tornou motivo para uma queda de braço entre a Câmara e o Palácio do Planalto em relação à verba para emendas parlamentares.
Enquanto deputados da base e de partidos independentes pedem a liberação de mais recursos para votarem a favor da proposta, aliados de Bolsonaro passaram a ameaçar cortar até mesmo as emendas impositivas –aquelas que obrigatoriamente precisam ser pagas pelo governo– de quem não apoiar a PEC, que deve voltar à pauta da Câmara nesta quarta-feira (3).
Emenda parlamentar é a forma de deputados e senadores enviarem dinheiro do Orçamento federal para obras e projetos em suas bases eleitorais. Isso amplia o capital político dos congressistas e tem um peso ainda maior com a proximidade das eleições de 2022.
Líderes partidários da base do governo na Câmara intensificaram nos últimos dias a pressão para que deputados estejam presencialmente nesta quarta em Brasília em mais uma tentativa de votar a proposta que abre espaço no Orçamento. São necessários pelo menos 308 votos em dois turnos para a PEC ser aprovada e seguir ao Senado.
A expectativa inicial era a de que o texto fosse votado na última quarta-feira (27), mas o baixo quórum de deputados na primeira semana de retorno às atividades presenciais da Câmara e divergências em torno do conteúdo da proposta adiaram a votação.
Os últimos ajustes de texto na PEC devem ocorrer durante o dia em reunião presencial com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o relator, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Nos últimos dias, líderes procuraram deputados de suas bancadas pedindo que estejam em Brasília para votar a proposta. Além disso, houve ameaças de não pagamento de emendas impositivas a deputados que faltassem à sessão.
Ainda assim, segundo deputados da base que preferiram falar de forma reservada, há risco de o governo não conseguir aprovar a proposta.
Integrantes do governo avaliam que será possível avançar com a PEC na Câmara nesta quarta. Mas o cenário é incerto diante da resistência à proposta nos partidos independentes, como MDB.
A votação é vista pelo Congresso como a mais relevante para o Palácio do Planalto até o fim do ano. Por isso, deputados querem uma moeda de troca. De acordo com líderes e articuladores governistas, o pedido é por mais emendas para quem for a favor do texto.
A execução das emendas parlamentares neste ano está em ritmo mais lento que em 2020 –cerca de R$ 2 bilhões abaixo do mesmo período do ano passado. Ainda há bastante verba parada.
Apenas metade das emendas de relator do Orçamento (que são usadas em negociações políticas) foi empenhada. De R$ 16 bilhões previstos para este ano, cerca de R$ 8 bilhões ainda nem passaram, até o fim de outubro, por essa fase inicial do processo de conclusão de uma emenda.
A do relator é um tipo de emenda que foi incluída no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba de anos anteriores. O Palácio do Planalto e o presidente da Câmara têm usado esses recursos para privilegiar aliados políticos e, com isso, ampliar a base de apoio deles na Casa.
Dentro das emendas obrigatórias, são cerca de R$ 5 bilhões ainda para serem liberados até o fim do ano.
Segundo integrantes do Palácio do Planalto, a execução delas está seguindo o fluxo normal. No entanto, em alguns casos há pendências para o contrato com os municípios. A Secretaria de Governo tem tido pouco influência nas emendas de relator, cujo negociação tem sido capitaneada por Lira e aliados do governo no Congresso.
Na semana passada, partidos de centro como MDB e PSDB resistiam a votar o texto –juntas, as bancadas têm 66 deputados. No caso da primeira legenda, houve um descontentamento com a votação do trecho que mudou o cálculo de tributação do ICMS para determinar que o tributo incidisse sobre o valor médio do combustível nos últimos dois anos.
O MDB era contrário à mudança e argumentou que Lira e o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), descumpriram acordo de votar outra proposta.
Já o PSDB rejeitava violar a regra do teto de gastos e também temia a pressão de professores. Ala do partido tem votado com o governo e participado das negociações por emendas, segundo parlamentares, mas uma parte dos deputados tucanos ainda é contra a PEC.
Um dos pontos de divergência trata da garantia do pagamento de dívidas de repasses do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Há cerca de R$ 15,6 bilhões em precatórios desse tema para Bahia, Pernambuco, Ceará e Amazonas.
A oposição argumenta que professores perderão recursos se a PEC dos Precatórios for aprovada.
Diante da resistência, inclusive em partidos de centro e da base do governo, Motta passou a avaliar retirar essa verba do teto de gastos –regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação. Mas a equipe econômica, que apoia a versão a ser votada pela Câmara, resiste à ideia.
A PEC foi aprovada no dia 21 de outubro na comissão especial da Câmara. Desde então, Motta percorre bancadas da base, independentes e de oposição ao governo em busca de apoio.
Inicialmente, a proposta foi editada para alterar as regras de pagamento de precatórios. Foi incluído no texto, porém, um dispositivo para driblar a regra do teto de gastos. Isso garante mais recursos ao governo já em 2022, ano em que Bolsonaro pretende concorrer à reeleição.
O conjunto das alterações previstas –mudança na regra dos precatórios e no teto– cria um espaço orçamentário superior a R$ 90 bilhões no ano eleitoral de 2022, de acordo com dados do Congresso e do Ministério da Economia.
Integrantes do governo argumentam que esses recursos poderão ser usados para pagar mais emendas no próximo ano –no caso, emendas de relator.
Mas quase toda a verba já está comprometida com promessas de Bolsonaro, como a ampliação do Auxílio Brasil, o novo programa social com a marca do presidente, e o programa de auxílio financeiro a caminhoneiros. do FOLHAPRESS.