A ex-ministra Damares Alves, eleita senadora pelo Distrito Federal, dificilmente poderá ter sua posse no Congresso barrada por conta das declarações que deu sobre abusos, ainda sem provas, de crianças na Ilha do Marajó, no Pará. Juristas especializados em justiça eleitoral, ouvidos pelo Estadão, acreditam que eventual processo contra Damares levaria muito tempo e não seria concluído antes de a ex-ministra assumir o mandato no Congresso. Até o momento, Damares não apresentou nenhum dado concreto que assegure a veracidade das atrocidades que disse, durante um culto religioso realizada em Goiânia e que foi acompanhado por milhares de pessoas. Conforme revelou o Estadão, após analisar mais de 2 mil páginas de documentos encaminhados por seu antigo ministério, não foi encontrada nenhuma referência aos atos criminosos citados pela ex-ministra.
Damares conquistou no dia 2 de outubro, quando recebeu 714.562 votos, equivalente a 44,98% dos votos válidos no DF. Pelo cronograma eleitoral, ela tomará posse no dia 1 de fevereiro de 2023. As declarações da ex-ministra sobre o caso de Marajó deflagraram um movimento nas redes sociais pedindo a anulação de sua diplomação como senadora. Foi lançado um abaixo-assinado para pedir a cassação da Damares antes da posse. Seus aliados sustentam que ela está sendo alvo de perseguição política.
Na avaliação de juristas a cassação seria muito difícil, dado o tempo que o processo todo levaria, até que se chegasse a uma decisão final por condenação de Damares, por exemplo. “Não faz sentido a ilação de perda de mandato de senadora em razão da fala. A perda de mandato no sentido eleitoral se dá em razão de um ilícito eleitoral. Um abuso do meio de comunicação, uma compra de voto. O eventual crime de prevaricação não tem qualquer relação com a eleição que a elegeu senadora. Nem a fala, já que foi feita após a eleição”, diz Antonio Carlos de Freitas Júnior, mestre e doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito e Processo Constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP).
Segundo Freitas Júnior, pode-se falar em perda do mandato por falta de decoro parlamentar, mas isso teria que se dar no âmbito do Senado Federal, decidido pelos próprios senadores. “Como o fato é pretérito ao mandato, diminuiu os fundamentos para uma cassação”, avalia.
Em caso de ser confirmada a prevaricação, no caso de ficar comprovado que Damares teve conhecimento de um crime real e não o levou ao conhecimento das autoridades, seria necessária uma investigação. A eventual punição desse crime prevê pena máxima de um ano de detenção.
Savio Chalita, especialista em Direito Eleitoral, afirma que, na prática, o prazo curto até a posse impossibilita qualquer tipo de impedimento. “Se Damares cometeu crime de prevaricação, haveria obstáculo para que ela tomasse posse somente depois deste caso ser julgado, de haver sentença penal condenando a Damares por esse crime. Com a condenação, poderia ser apresentado um recurso contra a expedição do diploma de senadora dela. Mas isso não vai acontecer, não dá tempo”, disse Chalita.
O advogado chama a atenção para o peso da opinião pública sobre o assunto, mas também não vê formas desta mobilização ter efeito prático, para além do desgaste político que envolve Damares Alves. “O abaixo-assinado é uma manifestação natural e saudável da democracia, mas não tem capacidade de gerar um afastamento. A manifestação popular que seria capaz de produzir outro efeito é aquela que aconteceu no dia 2 de outubro, nas urnas. As assinaturas mostram a insatisfação, é importante, mas não tem efeito jurídico prático”, diz Savio Chalita.
A avaliação é similar à de Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo IDP no Distrito Federal e mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada, na Espanha. “Não vejo a possibilidade da cassação, posto não ter sido empossada no cargo”, afirma.
Silva Filho destaca, porém, que há possibilidade de que sejam feitos de pedidos de impugnação à diplomação de Damares no Senado. Esses pedidos poderão ser feitos por partidos políticos ou pelo Ministério Público. O julgamento é realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Caso se confirme que as declarações de Damares são mentirosas, a agora senadora poderá ser acusada de cometer crime eleitoral, por espalhar fakenews durante um ato de campanha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro.