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CARTA ABERTA AS DELEGADAS E DELEGADOS DA CONAE 2024

Hoje se inicia a nossa Conferência Nacional de Educação com o tema “Plano Nacional de Educação 2024-2034: política de Estado para a garantia da educação como direito humano, com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável”. O evento ocorre até dia 30 em Brasília, e reúne delegadas e delegados de todos os estados do nosso País.
Como educador que milita na educação básica municipal, que atua na escola, que por vezes tem a oportunidade de ocupar espaços institucionais sobretudo atuando em políticas públicas de formação, ouso escrever esta Carta Aberta aos(as) inúmeros(as) colegas delegados e delegadas eleitos(as) para a CONAE 2024, para fazer um pedido que compreendo ser fundamental para efetivação das metas e estratégias do nosso próximo Plano Nacional de Educação (PNE) e os respectivos Planos Estaduais e Municipais: lutem com todas as forças por mais financiamento público para a nossa Educação Básica.
Nós estamos há anos estagnados em cerca de 5% do PIB em investimento na educação. Quando analisamos os dados de investimentos apenas na educação básica, esse percentual cai para menos de 3% do PIB. Não avançamos na meta 20 do nosso atual PNE, e isso teve impacto em todas as outras metas e estratégias. Senti até agora a falta desta discussão radical nas atividades preparatórias que eu participei como ouvinte. Contudo, nas etapas municipais que eu tive a oportunidade de participar, fiz questão de radicalizar esse debate.
Quando digo radicalizar, falo mesmo no sentido de ir à raiz. Se a gente fizer o comparativo entre municípios com características de população e números de alunos semelhantes, analisando a estimativa de receita do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), veremos que não há grandes diferenças. Acontece que, quando acrescentamos a essa análise outras características como por exemplo extensão territorial e formação dos profissionais da educação, encontramos duas variantes que são determinantes nos investimentos necessários para manutenção da rede, e essas variantes não são levadas em conta nos fatores de ponderação que definem o valor aluno para repasse dos recursos do Fundeb.
O cálculo de repasse do Fundeb tem como foco apenas as matrículas, desconsiderando os diversos outros fatores que impactam nos investimentos necessários. Se duas redes semelhantes possuem em torno dois mil estudantes cada, elas receberão recursos semelhantes do Fundeb. No entanto, se estas duas redes possuem cerca de 200 professoras cada, um plano de carreira com os mesmos percentuais de mudança de nível, mas uma rede tem suas 200 professoras com especialização e a outra apenas 50 professoras, uma rede precisará investir mais recursos na carreira docente do que a outra. Só que o repasse do Fundeb não leva em consideração a formação docente das redes.
A mesma questão quanto a extensão territorial. Por exemplo, na Bahia, os municípios de Planaltino e Jaborandi tem redes semelhantes, e a estimativa de receita é parecida. Mas, Planaltino tem uma extensão territorial de 995 km² e Jaborandi 9.955 km², ou seja, seu território é 10 vezes maior que Planaltino. Óbvio que Jaborandi precisará investir mais recursos na manutenção da sua rede durante o ano letivo, mas o repasse do Fundeb não leva isso em conta.
E quando incluímos nessa análise os valores das complementações previstas a partir do Novo Fundeb, verificamos que os critérios utilizados para o acesso a essas complementações, nem sempre contemplam os municípios que mais precisam de recursos, o que não tem contribuído para diminuição das desigualdades regionais.
Caras delegadas e delegados da CONAE 2024, nós que atuamos na Educação Básica, nos municípios ou junto a eles, precisamos ter a coragem de dizer que o Fundeb não dá mais conta das necessidades da nossa Educação Básica. O Fundeb tem sua importância, é sem dúvidas um marco no financiamento público da educação básica brasileira, isso não se questiona. Trouxe avanços por meio da Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020, sobretudo com a consagração do Custo Aluno Qualidade (CAQ) como referência para garantia de padrão de qualidade, mas ainda não dá conta da complexidade que é diminuir as desigualdades educacionais e garantir educação de qualidade nas nossas escolas atendendo as especificidades das diferentes educações (do campo, quilombola, indígena, especial, das pessoas jovens e adultas, dos povos das águas, etc.), das condições de trabalho necessárias e da valorização dos profissionais da educação.
Os fatores de ponderação que definem o Valor Aluno Ano do Fundeb, estão longe das nossas necessidades reais de financiamento da Educação Básica Pública. Eu não tive a coragem de comemorar o que muitos celebraram como avanço, quando anunciado por exemplo, o aumento do fator de ponderação da educação integral de 1,3 para 1,4. Em um momento que a educação integral volta com força para a agenda nacional de debate com o Programa Escola Educação em Tempo Integral, o mínimo esperado era que esse fator aumentasse para 2, o que ainda seria insuficiente, no entanto, seria mais justo perante a atual fórmula de cálculo.
Muitas das discussões que perpassam os eixos propostos do documento referência, reforçam a importância da participação, da gestão democrática, do fortalecimento da autonomia pedagógica e administrativa das escolas (prevista no Art. 15 da Lei 9.394/96). Neste sentido, é imprescindível que nossa luta por mais recursos no novo Plano seja também de mais recursos diretamente para as escolas. Autonomia pressupõe condições objetivas para exercê-la, e isso significa mais recursos financeiros, sobretudo com foco em atividades pedagógicas. Nós que estamos na escola, sabemos os desafios cotidianos para desenvolver atividades diferenciadas, muitas vezes tendo que desenvolver ações de arrecadação de recursos ou investindo do próprio salário para fazer algo mais significativo. Tem escolas que precisam fazer o milagre de sustentar suas atividades pedagógicas apenas com recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE).
Claro que aliado a isso, precisamos avançar no estabelecimento de uma Lei de Responsabilidade Educacional para que os gestores (prefeitos, dirigentes de educação, gestores escolares) sejam sim obrigados a fazerem uma gestão eficiente dos recursos tendo como foco o cumprimento das metas e estratégias dos planos de educação e promovendo a gestão participativa destes recursos que são públicos. Sabemos que em muitos lugares temos problemas quanto a aplicação de recursos públicos na educação, deste as secretarias até as escolas. Nas escolas, por exemplo, tem gestores que agem como proprietários da escola, e definem por si só onde os recursos serão aplicados, e muitas vezes, promovem desvio de finalidade de programas do PDDE. O PDDE acessibilidade, por exemplo, sobre muito com isso, tendo seus recursos utilizados para suprir outras demandas da escola em detrimento dos investimentos necessários para fortalecimento das ações do atendimento educacional especializado.
Precisamos avançar na promoção de ações de formação continuada para a participação das comunidades na escola, ações de fortalecimento dos diversos conselhos, principalmente dos conselhos escolares. As mazelas de alguns gestores escolares não podem servir como parâmetro para se justificar o não envio de mais recursos para as escolas. Ações de responsabilização por estas mazelas devem ser fortalecidas, da mesma forma que ações de fortalecimento da participação da comunidade escolar na gestão das escolas.
Sabemos que os desafios são muitos, mas o novo Plano Nacional de Educação precisa demarcar com força ações de aumento de recursos públicos para a Educação Pública Básica, como da mesma forma ações de fortalecimento da gestão participativa e democrática.
Caras colegas delegadas e delegados da CONAE 2024, vai aqui esse apelo, de quem como vocês e tantas outras educadoras e educadores tem lutado cotidianamente por nossa Educação Básica Pública. Apesar da intempestividade e das fragilidades deste processo que antecedeu a etapa nacional da CONAE 2024, contamos com vocês para que propositivamente apontemos para os nossos governos, as condições objetivas que precisamos para fortalecer nossa Educação Básica Pública. Sem a ampliação efetiva dos investimentos necessários, estaremos nós daqui 10 anos, discutindo as mesmas questões.

Renê Silva, Doutorando em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Pedagogo, Especialista em Gestão Educacional, Especialista em Fundamentos Sociais e Políticos da Educação e Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Atua como Coordenador Pedagógico da Escola Municipal Clemente Mariani, município de Nova Itarana, estado da Bahia.