Faz cerca de dois anos que Elisângela Santos e o filho, Estevão Rodrigues, que vivem no Jardim Sapopemba, Zona Leste da capital paulista, estão à procura de emprego. Ela tem 48 anos, cursa o terceiro ano da faculdade de Psicologia. A última vez que teve carteira assinada foi quando trabalhou como cuidadora de idosos, um pouco antes da pandemia. Na época, chegava a tirar R$ 1.200. O filho, de 19 anos, concluiu o ensino médio e nunca teve emprego fixo.
“Não consigo me colocar por causa da idade”, diz Elisângela, que também foi empregada do comércio e de um escritório de contabilidade. Ela percebe que há preconceito por parte das empresas em contratar quem tem mais de 45 anos. Já o filho enfrenta as barreiras para obter uma vaga porque não tem experiência.
Enquanto não conseguem emprego, eles fazem bico para sobreviver. Elisângela coloca cabelo postiço (mega hair) e tira cerca de R$ 400 por mês. O filho atualiza redes sociais para conhecidos e recebe R$ 200. Juntos, ganham a metade de um salário mínimo.
Apesar da redução do desemprego nos últimos meses, mãe e filho retratam a precarização do mercado de trabalho. A taxa de desocupação, que chegou a 12,6% no terceiro trimestre de 2021, o último dado disponível, praticamente retornou aos 12,4% do primeiro trimestre de 2020, quando a pandemia começou. Mesmo com a queda da desocupação, esse resultado esconde uma mudança profunda do perfil do emprego.
Estudo do economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast, revela uma piora da qualidade da ocupação. Entre primeiro trimestre 2020, o início da pandemia, e o terceiro trimestre de 2021, o dado mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o contingente de desempregados em busca de trabalho há mais de um ano, como Elisângela e o filho, aumentou quase 37%: de 4,758 milhões para 6,508 milhões.
“Quanto mais tempo uma pessoa fica sem conseguir emprego, torna-se mais difícil para ela se recolocar e foi isso que a pandemia provocou”, afirma Imaizumi. Desocupado por um longo período, quando esse trabalhador consegue um emprego, muito provavelmente a qualidade da vaga é ruim, observa.
O estudo mostra que esse movimento está em curso. A recuperação dos postos de trabalho tem sido cada vez mais concentrada em ocupações com rendimentos menores, de até um salário mínimo mensal. Entre o primeiro trimestre de 2020 e o terceiro trimestre do ano passado, o número de ocupados com essa renda passou de 28,476 milhões para 33,635 milhões, uma alta de mais de 18%. “São cerca de 5 milhões de pessoas a mais recebendo até um salário mínimo, é um dado assustador”, diz Imaizumi.
Essa tendência também é observada no emprego formal. Por seis meses seguidos o salário real – descontada a inflação – de admissão do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), segundo o economista, está em queda, assim como o rendimento médio real de todas as populações da Pnad, que engloba a informalidade. Ao mesmo tempo, desde o início da pandemia, os números compilados por Imaizumi da Pnad indicam redução de 8% na quantidade de ocupados com rendimentos superiores a dois salários mínimos.
O economista destaca que o mercado de trabalho mal tinha se recuperado 100% da forte crise de 2015 e 2016, quando chegou a segunda crise provocada pela pandemia. Rodolpho Tobler, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) concorda. Ele observa que quando a pandemia começou o mercado de trabalho brasileiro estava fragilizado e a recuperação dos postos ocorria por meio da informalidade.
Além disso, já existiam problemas estruturais para preencher vagas mais qualificadas que foram agravados pela maior demanda por profissionais voltados para tecnologia, que se intensificou com o isolamento social.
Imaizumi observa que a baixa remuneração e qualidade dos empregos gerados está atrelada à incapacidade de o brasileiro médio de se inserir numa vaga que exige mais habilidades. “O movimento das empresas de intensificar o uso de capital e tecnologia e utilizar menos mão de obra já vinha acontecendo antes da pandemia”, observa. E isso já tinha levado muitos trabalhadores a buscar ocupação na informalidade. Com a pandemia, o quadro se agravou.
Crise tira poder de barganha do trabalhador na hora da admissão
A grande questão do mercado de trabalho hoje é não só olhar para a recuperação na quantidade de postos, que, de fato, está acontecendo, mas para a qualidade do emprego que piorou, afirma Tobler, da FGV.
Ele observa que há uma conjugação negativa de fatores nos últimos meses que leva as pessoas a aceitarem uma remuneração menor. Existe um grande contingente fora do mercado, o desalento é elevado, a inflação alta consome boa parte dos rendimentos e o poder de barganha dos trabalhadores para obter reajustes é cada vez menor.
No ano passado, 47,7% das negociações salariais do setor privado ficaram aquém da inflação, aponta um estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a partir dos dados inseridos no Mediador do Ministério do Trabalho e Previdência. Esse foi o pior resultado em quatro anos, desde 2018, o início da série.
O reajuste abaixo do custo de vida é resultado de uma combinação de inflação alta com recessão. É que quando a desocupação está muito elevada, os sindicatos não têm poder de barganha nas negociações, observam economistas especializados em emprego. É o pior cenário para os trabalhadores.
Essa situação faz, por exemplo, Roseni Camargo de Abreu, de 48 anos, que desde que terminou a faculdade de Nutrição em 2020 e até hoje não conseguiu emprego na área, estar disposta a trabalhar por um salário mínimo. Atualmente, faz bico como diarista e tira R$ 600 por mês. “Preciso comer”, argumenta. Roseni foi estudar depois de criar os filhos na expectativa de que ganharia um pouco mais. “Mas neste País não há oportunidade. É muito triste”, afirma.
Para romper esse círculo vicioso de desemprego elevado e precarização da ocupação, economistas dizem que a saída é o País voltar a crescer. Imaizumi acredita que seria necessário que a economia brasileira crescesse perto do potencial, que é de 2,5% ao ano, por vários anos seguidos. “Mas sabemos que o crescimento este ano foi por água abaixo”, ressalta. A sua consultoria, por exemplo, projeta um avanço do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,7%, mas a média do mercado, captada pelo Boletim Focus do Banco Central, aponta algo abaixo de 0,3%.
Tobler, da FGV, ressalta que é preciso que o crescimento seja sustentável, com aumento de produtividade, para que haja uma recuperação robusta do mercado de trabalho. “Um grande contingente de trabalhadores na informalidade e ganhando menos do que deveria resulta em menor arrecadação para o governo, menos proteção social. Isso acaba virando uma bola de neve e acarreta outros problemas.” Do Estadão Conteúdo.