Naquele dia, saí do escritório mais cedo. Tinha que passar em casa rapidamente, arrumar a mala e seguir para o aeroporto. No dia seguinte, teria uma sessão de gravação de vídeos em Curitiba, parte de um sensacional projeto de atualização para médicos, que envolve temas de medicina e também de gestão e de humanidades. O escritório é pertinho de casa, em um bairro tranquilo de São Paulo. Menos de cinco minutos a pé, com apenas duas ruas para atravessar. Fica numa casa de vila, em uma rua sem saída, com calçadas estreitas e sem movimento, por isso todos usam a rua como uma espécie de calçadão. Só que, ao caminhar pela ruazinha, chega-se à rua transversal sem pisar na calçada, ou seja, sem a percepção clara de que se está saindo de um lugar para pedestres para outro, onde os carros e as motos são soberanos. Mas tudo bem, porque mesmo nessa ruazinha, o movimento é pequeno. Eu estava caminhando com a cabeça já focada nas atividades do dia seguinte, mas com a atenção normal, olhando o futuro, sentindo o presente. Foi quando cheguei ao encontro da ruazinha com a rua propriamente dita, e o destino fez das suas.
A motocicleta vinha em uma velocidade superior à permitida, talvez estimulada pelo pouco movimento e, ao tentar desviar de uma tampa de bueiro, o motoqueiro acabou por invadir a confluência das duas vias, onde, na maior inocência, estávamos eu, meus pensamentos, minha agenda apertada e minha perna direita que, até então, estava inteira. O motoqueiro até tentou frear, mas o resultado foi uma colisão frontal. Consequência: fratura da tíbia direita, ambulância, hospital, cirurgia, imobilização, muletas, fisioterapia e, claro, repercussão em toda uma agenda de trabalho. Definitivamente, não era isso que eu tinha combinado com o destino para aqueles dias. Mas, como sabemos, o destino não é muito de cumprir o combinado…
O bom de ficar quieto é que se ganha tempo para pensar e, entre todos os tipos de devaneios, percebi que a quantidade de vezes em que planejei algo que acabou sendo diferente é, simplesmente, imensa. “Já combinaram com os russos?”, perguntou Garrincha a Vicente Feola, antes do jogo contra a então União Soviética, após a preleção do treinador, em que ele mostrou uma estratégia infalível que havia desenhado para ganhar o jogo. Alguns dizem que é lenda, outros afirmam que é verdade, que o Mané, com toda sua inocência e simplicidade de raciocínio, escreveu, em uma frase, uma verdadeira tese de lógica. Sem conhecer nada sobre os fundamentos da estratégia, muito menos da teoria dos jogos, ele percebeu que, na execução de qualquer plano, seja de uma viagem, um negócio, uma política econômica, um almoço de domingo ou um jogo de xadrez, é impossível prever todos os movimentos das forças que não controlamos.
Na verdade, a única previsão certeira que podemos fazer é que algo imprevisto acontecerá. Olhando dessa forma, concluímos que os imprevistos são previsíveis, sim; ou seja, não sabemos o que vai dar errado, mas precisamos estar preparados para as contingências, caso contrário não teremos como reagir. A pretensa expressão de um jogador de futebol brasileiro virou quase uma lei, assim como aconteceu com outra frase famosa dita por um engenheiro espacial americano chamado Edward Murphy Jr. Ele trabalhava com sistemas de segurança aeroespacial e esteve ligado a projetos grandiosos, como o dos jatos Phantom e o Apollo. Certa vez, em um estudo sobre as respostas da fisiologia humana à aceleração e à desaceleração, ele desenvolveu um sistema de aferição da frequência cardíaca dos pilotos durante os testes. O sistema era ótimo e esperavam-se resultados confiáveis de sua utilização. Só que, veja só, o técnico responsável por sua instalação cometeu um erro banal, que colocou em risco não só a operação, como a vida do piloto que participava do teste. E o técnico nem sequer era russo…
O resultado foi a famosa frase do engenheiro: “se existe mais de uma maneira de uma tarefa ser executada, e alguma dessas maneiras resultar num desastre, certamente será esta a escolhida por alguém para executá-la”. Em outras palavras, se existe um fator que pode contribuir para que um projeto fracasse, existe a possibilidade de que esse fator se manifeste. E agora? Como fazemos para viver em um mundo em que o axioma de Garrincha e a Lei de Murphy reinam soberanos? Será que não é melhor desistir de controlar a vida e deixar as coisas acontecerem, uma vez que já está provado que o controle não funciona, considerando que o número de variáveis é imenso? A chuva no meio do casamento no campo, o overbooking no avião, a baixa da bolsa de Nova York e a moto que invade a rua são os vencedores e a nós só resta aceitar a derrota? É claro que não. O acaso existe, obviamente, mas não é só para o mal. Quantas vezes algo que não prevíamos nos colocou em uma situação melhor? Só para ficar no mundo das motos, tenho um amigo que, confiando no tamanho do tanque de sua nova Big Trail, acabou ficando sem gasolina em plena Ruta Nacional 52, a caminho de São Pedro do Atacama. “Isso não estava nos planos”, pensou. Como também não estava nos planos o jipe que parou para socorrê-lo, com um grupo de jovens também atrás de aventuras. Entre eles, uma chilena linda que acabou se transformando em sua esposa e mudando sua vida para sempre. E para melhor. A vida é assim. Não dá para prever tudo mesmo… Felizmente. Seria muito chato viver em um mundo totalmente previsível.
Para finalizar, é bom lembrar que a existência da imprevisibilidade e o acaso não devem nos desestimular a planejar. Só temos que nos lembrar de colocar esses dois travessos entre os elementos variáveis do plano. Sobre isso, disse Churchill: “temos que planejar bem para poder improvisar melhor”. Ele devia saber o que falava, afinal, ganhou a guerra.