“Números são complicados pra mim porque sou de Humanas”. Essa e outras frases similares foram ouvidas pelo CORREIO diversas vezes ontem, enquanto entrevistava estudantes na porta de duas escolas. O que os alunos não sabiam é que, longe de ser uma piada, dados comprovam que os candidatos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na Bahia tiveram melhor desempenho na prova de Ciências Humanas e Suas Tecnologias em 2017.
O CORREIO solicitou ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) informações sobre o resultado dos estudantes baianos no exame do ano passado e descobriu que o melhor desempenho no estado foi em Humanas.
De acordo com o levantamento, 332 mil candidatos fizeram a prova de Ciências Humanas na Bahia, em 2017. O valor médio das notas dos estudantes ficou em 506, à frente de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias (502), Ciências da Natureza e suas Tecnologias (496) e Matemática e suas Tecnologias (479).
Os percentuais são menores que os nacionais. Em todo o país, o valor médio de Ciências Humanas foi de 521,0 – também maior do que Linguagem e Códigos (514,9), Ciências da Natureza (506,3) e Matemática e suas Tecnologias (502,7).
A maior nota na Bahia na área de Humanas foi 845, e a menor, 320. Em todo o país, o melhor resultado foi de 868, e o pior, 310. Para evitar distorções, foi usado o conceito de ‘Mediana’, ou seja, foram desconsiderados os percentuais mínimos e máximos do exame, onde ficaram poucos estudantes, e calculado o valor médio em cima do universo em que ficou a maioria dos candidatos.
Mas calma, porque acabaram as contas. Agora, vamos às histórias. O candidato baiano com o melhor resultado na prova não teve o nome divulgado, mas estuda no Colégio Militar, tem 18 anos, e se autodeclara negro. Ele nasceu em Fortaleza (CE) e fez a prova na Bahia.
A estudante do Colégio Central Michele Dias, 18 anos, está no 3º ano do ensino médio e sonha em cursar Moda. Ela contou que consegue boas notas em Humanas porque tem facilidade com as matérias. “Acho as questões de humanas e linguagens mais fáceis e tenho mais dificuldade com Química e Física dentre as questões de exatas”, afirmou.
“A Bahia sempre esteve muito envolvida em revoltas, teve papel de vanguarda no processo de independência e em outros momentos históricos, por exemplo. No momento em que pedimos que os alunos reflitam sobre fatos históricos e o estado em que eles moraram foi um protagonista dessas ações, isso os motiva mais para os estudos”, explica ela.Vanguarda
Para a professora de História e Atualidade do Instituto Dom de Educar (Rede FTC), Daniela Praia, o resultado não surpreende. Ela acredita que o fato de o povo baiano ter participado frequentemente de momentos importantes da história do Brasil é um fator motivador para que os estudantes se interessem mais pelo estudo da disciplina.
Mas, ao contrário do que alguns estudantes pensam, a professora afirmou que a prova de Ciências Humanas está longe de ser uma avaliação fácil. Especialista em História da Bahia, Daniela contou que as questões são interdisciplinares e exigem dos estudantes visão crítica, além de conhecimento.
No ano passado, 160 mil candidatos desistiram de fazer a prova de Ciências Humanas e Suas Tecnologias na Bahia e outros 116 foram eliminados. Este ano, cerca de 5,5 milhões de brasileiros estão inscritos para fazer o Enem, sendo 398.490 deles baianos. O exame será aplicado nos dias 4 e 11 de novembro (confira cronograma ao lado).
Os professores acreditam que o fato de as disciplinas de Humanas refletirem sobre conflitos e questões do dia a dia corrobora para captar a atenção e o interesse dos estudantes. Daniela contou que Atualidades e História trabalham de maneira complementar e recomendou que os alunos fiquem atentos também aos noticiários.
“Dentro dos processos históricos existem alguns problemas que são recorrentes, como a questão da imigração, por exemplo. Então, quando o presidente dos EUA (Donald Trump) toma a decisão de separar famílias de imigrantes, esse é o momento de refletir o conteúdo dado em aula ou, caso ainda não tenha visto esse tema, é o momento para estudar”, orientou.
“Os alunos não gostam tanto de Geografia Física, como gostam de Geografia Social ou Humana, por exemplo. Isso porque os temas trabalhados nessas áreas aparecem com mais frequência no dia a dia. A prova do ano passado foi atípica, porque teve muitas questões de Geografia Física e, mesmo assim, tivemos resultado positivo. Isso se deve também aos profissionais de Humanas que temos na Bahia. Eles são muito bons”, acredita. O professor de Geografia do Colégio Antônio Vieira, Ricardo Behrens, concorda com a colega sobre o caráter interdisciplinar das questões do exame e acrescentou que os estudantes se dedicam mais às disciplinas de Humanas por identificação com os temas trabalhados nas aulas.
Ricardo leciona para estudantes do 3º ano do ensino médio e contou que as questões de Humanas em que eles têm maior dificuldade são aquelas que apresentam conteúdos de Filosofia e Sociologia. “Por isso, é importante estar informado e refletir sobre os processos. Uma questão nunca é apenas sobre Geografia”.
Dicas
Os professores frisaram que na área de Humanas não existem fórmulas para conseguir uma boa nota, mas que há algumas dicas que podem ajudar o estudante a se sair bem na hora do exame. A primeira orientação é evitar atrasos, saindo cedo de casa para chegar tranquilo ao local de prova.
“Ele deve começar a responder sempre as perguntas mais fáceis primeiro e deixar as mais difíceis para depois. Segundo os especialistas, cada questão precisa ser respondida em cerca de 3 minutos, então, ele precisa poupar tempo”, orientou a professora de História Daniela Praia.
Outra dica dos profissionais é prestar atenção onde está a questão, se no enunciado ou no gráfico. O professor Ricardo explica: “O Enem tem uma característica que os alunos chamam de ‘pegadinha’ e nós chamamos de ‘distratores’. São elementos que podem levar a outra linha de raciocínio, diferente da questão principal, ou seja, uma distração. É preciso identificar onde está a questão principal e focar nela”, explicou Ricardo.
Os educadores enfatizaram que a prova avalia a competência e as habilidades dos candidatos e, por isso, quem quer se sair bem em Humanas não pode estudar apenas História, Geografia, Filosofia e Sociologia, disciplinas da área. Atualidades é outro campo indispensável – por isso, a atenção no noticiário.
O cálculo das provas é feito através da Teoria da Resposta ao Item (TRI) e leva em consideração mais do que o número de acertos. Diferente da Redação, que alterna entre zero e mil, as questões objetivas têm pesos individuais, de acordo com o grau de dificuldade. Na prática, os valores máximos e mínimos de cada prova dependerão das características dos itens selecionados.