Por Mariana Rutigliano
O recente episódio de plágio no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) evidencia pelo menos dois grandes problemas da educação básica brasileira. O primeiro é que não preparamos nossos jovens para a escrita original, criativa, que compile ideias inéditas. O segundo é que não temos tecnologia suficiente para mapear a falta de originalidade da escrita na principal avaliação do ensino médio brasileiro da atualidade.
O caso de plágio no Enem aconteceu em Salvador/BA. Como amplamente divulgado pela imprensa, um aluno teria copiado a sinopse inteira de um livro na redação, que aparece no segundo dia de provas. O tema sobre o qual os alunos tinham de dissertar era educação para surdos – assunto difícil, como de costume no Enem, e que exige soluções criativas e muita reflexão para inclusão na educação daqueles que, hoje, ainda ficam de fora.
O plágio no exame nacional é a ponta de um iceberg maior e mais profundo do que sequer imaginamos. Nossos alunos não são treinados para a escrita original, para desenvolver ideias criativas, para pensar em soluções e para concatenar as propostas em frases e parágrafos que façam sentido e que convençam o leitor. Sem essa habilidade, considerada essencial para o século 21 pela maioria dos especialistas, muitos acabam se valendo da cópia de trechos ou de textos inteiros – como aconteceu, ilicitamente, em Salvador.
Por sorte, um dos corretores da prova plagiada tinha lido recentemente a obra copiada e provavelmente se recordava de trechos. Deve ter consultado a internet e chegou ao veredito: era uma cópia. É assim que a maioria dos professores no país ainda identifica trechos de plágio nos trabalhos dos alunos. Esforçam-se, muitas vezes inutilmente, para tentar trazer da memória trechos que possam ter sido copiados; buscam na internet partes do texto que estão exageradamente bem escritas, que destoam do restante do material ou que parecem ter sido traduzidas. Nesse esforço exaustivo, algumas vezes encontram a cópia, outras não.
Se o corretor não tivesse conhecimento da obra em questão, e sem tecnologia que ajude a identificar o plágio na correção do Enem, o aluno de Salvador teria passado com boa nota? O governo já usa tecnologia na correção das questões da prova – é a chamada TRI, que identifica o padrão do aluno e dá menos pontos para questões que foram “chutadas”, por exemplo. Assim, a nota no Enem nunca é proporcional ao número de acertos – e pode passar de mil pontos.
O fato é que já existem tecnologias suficientemente consolidadas que poderiam auxiliar os professores e melhorar a chamada escrita original dos alunos ao longo do processo educativo. São os chamados softwares antiplágio, utilizados pelas principais universidades e escolas de Ensino Médio, no Brasil e do mundo. Os mais completos permitem que os alunos, de escola ou de universidade, submetam seus trabalhos na plataforma e recebam um relatório de similaridade, antes mesmo de entregá-los ao professor. Assim, o aluno treina a escrita, o encadeamento de ideias, além de refletir sobre problemas e soluções. Trata-se de um estudante que, ao chegar em um exame como do Enem, não precisa ilicitamente copiar um trecho de um livro, pois ele próprio poderá ser um futuro autor de um livro que traga uma ideia original.
O Enem acerta ao exigir que alunos escrevam na prova (o restante do exame é composto por questões que se distribuem em quatro áreas do conhecimento, como linguagens e ciência da natureza). Universidades e programas como o FIES, de financiamento estudantil, também vão na direção correta ao exigirem uma nota mínima na redação. Agora, as escolas precisam se mobilizar mais intensamente para trabalhar a escrita original dos alunos – e, de outro lado, o governo também precisa garantir que os alunos com escrita original de verdade recebam as maiores notas na redação.
*Mariana Rutigliano é gerente de marketing da Turnitin, plataforma de tecnologia voltada para educação