Aprovada na Câmara, em segundo turno, há poucos dias, a PEC 241, que atende pelo nome popular de “PEC do teto de gastos”, agora segue para o Senado, onde passará por mais dois turnos de votação e a se chamar PEC 55. Trata-se do tema mais discutido nas últimas semanas; mas, afinal, por que a PEC 241 é tão importante?
Essa Proposta de Emenda à Constituição estabelece o chamado “Novo Regime Fiscal”, onde há um teto aos gastos primários (isto é, excluídos juros da dívida) do governo federal pelos próximos 20 anos. Tal limite é o gasto do ano anterior, ajustado pela inflação. Isso quer dizer que o governo só poderá gastar, no ano T, o mesmo que gastou em T-1, acrescido da inflação de T-1. Por exemplo: se o governo gastou, em T-1, 100$, e a inflação daquele ano foi de 5%, no ano T ele – governo – só poderá gastar 105$. Dito de outra forma: a PEC congela os gastos primários em termos reais, a valores de 2016.
Por que tal medida?
A raiz do problema está na trajetória do gasto primário do governo. Há anos, ele vem crescendo, em termos reais, bem acima do PIB, de tal maneira que sua fatia do produto aumentou 5,6 p.p. no período de 1997 a 2015. Nesses 19 anos, o gasto primário triplicou em termos reais. Para financiar essas despesas, o governo teve que aumentar impostos de maneira incessante – fazendo com que hoje tenhamos uma das maiores cargas tributárias do planeta. O gráfico abaixo ilustra isso com clareza.
De 1997 a 2015, as despesas primárias do governo central (excluídas as transferências para estados e municípios) cresceram nada menos que 178% em termos reais (isto é, descontada a inflação). Isso significa um crescimento real de 5,85% ao ano. O PIB, por sua vez, cresceu meros 58%.
A PEC 241 tem como objetivo, justamente, controlar esse crescimento desenfreado do gasto. Afinal, como se sabe, não existe despesa grátis, e a sociedade também não suporta mais pagar impostos.
Essa farra dos gastos foi, por muito tempo, mascarada por um comportamento anormal da receita. Na década de 2000, a receita também cresceu bem acima do PIB, por fatores como uma maior formalização do mercado de trabalho, bem como o boomde commodities e aumentos da carga tributária.
Entretanto, a partir de 2011, a receita passou a crescer de maneira “normal”, em linha com o crescimento do PIB, enquanto a despesa continuou acelerando.
O resultado foi um déficit primário de R$ 116 bilhões em 2015, com expectativas nada animadoras para os anos que se seguem.
Junto, também veio um aumento descomunal da dívida pública, que avançou 20 p.p. do PIB em apenas 2 anos. E pior: espera-se que ela atinja assustadores 93,6% já no início da próxima década. Em meados da década de 2030, a dívida bruta pode atingir nada menos do que 100% do PIB; algo nunca antes visto na história do Brasil.
Revisitando o passado
Essa proposta, na verdade, já é antiga no Brasil; há anos se discute o crescimento acelerado do gasto público tupiniquim e como resolver esse problema. Em 2005, o então Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, propôs algo parecido com a PEC 241. Palocci pretendia uma reforma fiscal de longo prazo, de forma a evitar uma crise fiscal mais à frente.
Acontece que a ideia foi rechaçada pela então Ministra Chefe da Casa Civil, a senhora Dilma Vana Rousseff. Ela classificou tal proposta como “rudimentar”, e disse em alto e bom tom que “despesa corrente é vida. Ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer ou vai ter despesa corrente”. O resultado, 11 anos depois, foi seu impeachment, bem como um descalabro fiscal sem precedentes na nossa história.
Momentos críticos
Como dito na seção anterior, há décadas se discute o crescimento acelerado dos gastos públicos no Brasil. Nada mais justo, então, do que avaliar como estaria o nível de gasto público, tivesse a PEC sido aprovada em determinados momentos das últimas duas décadas.
Veja no gráfico abaixo:
Se FHC, por exemplo, tivesse aprovado essa PEC em 1998, já valendo para o ano seguinte, que marcou o início de seu segundo mandato, teríamos, em 2015, gastos primários da ordem de 7,6% do PIB; bem longe dos 19,6% observados.
Tivesse Lula aprovado o ajuste de longo prazo à época que o Ministro Palocci o propôs, teríamos observado gastos de 10,5% do PIB em 2015.
Se Dilma, por sua vez, tivesse aprovado a ideia logo no primeiro ano de seu mandato, em 2011, veríamos gastos primários de 15,9% do PIB (e, muito provavelmente, ela ainda na presidência).
Debatendo prioridades
O Novo Regime Fiscal devolve ao Congresso uma de suas funções mais clássicas: debater o orçamento público. O que se vê, há décadas, é que os parlamentares pegam o orçamento do ano anterior, superestimam as receitas e vitaminam o gasto, tudo sem a devida avaliação de custos vs benefícios e sem discutir aquilo que é e aquilo que não é prioritário. Quando percebe que aquelas estimativas são irreais, algum burocrata não-eleito se vê obrigado a contingenciar despesas.
Sob o Novo Regime Fiscal, as despesas serão independentes das receitas, e terão de se manter dentro do teto. Agora, com essa camisa de força, os congressistas terão de debater prioridades anuais e a eficiência do gasto; caso se pretenda gastar mais aqui, terá de se gastar menos ali.
Afinal, como toda família, o governo também enfrenta restrição orçamentária; para financiar um gasto extra, o governo precisa 1) aumentar impostos e/ou 2) se endividar (que nada mais é do que um imposto futuro) e/ou 3) imprimir dinheiro, gerando inflação (um imposto implícito).
Todo real gasto pelo governo enfrenta um custo de oportunidade, isto é, o que poderia ter sido feito com esse real; simplesmente não há dinheiro para tudo. Com a PEC, despesas eficientes podem ser ampliadas, enquanto as ineficientes deverão ser descontinuadas; tudo isso, é claro, respeitando o teto. O governo estará proibido de sair gastando a roldão e sem critério algum.
Num país com elevada carga tributária e com 40% da população sem acesso a saneamento básico, reduzir impostos ou ampliar o saneamento são, certamente, bons fins para alguns reais do orçamento. A PEC, antes de tudo, fortalece a democracia e o debate.
Educação e Saúde
Uma das grandes inverdades que se propagam por aí é que a proposta vai congelar os gastos ditos “sociais”. Em primeiro lugar, é bom lembrar que apenas 16,4% do orçamento vai para educação fundamental, saúde de base e transferência de renda aos 40% mais pobres, segundo estimativas do economista Marcos Lisboa Todo o restante vai para os 60% mais ricos – especialmente funcionários públicos, que estão na elite do país, mega empresários, e outros grupos de interesse.
Em segundo, a PEC não estabelece um teto para gastos com saúde e educação, mas sim um mínimo. Para a saúde, por exemplo, esse piso é equivalente a 15% da receita corrente líquida (RCL) de 2017 (contra os atuais 13,4%). A partir daí, o mínimo será corrigido pela inflação. Em outras palavras: de largada, já se aumenta o gasto com saúde em cerca de R$10 bilhões. Isso foi muito bem explicado por Mansueto Almeida, secretário de acompanhamento econômico, aqui.
A PEC exclui o Fundeb (fundo da educação básica), junto com os estados e municípios, estes que são responsáveis por 77% do gasto com educação no Brasil. Também exclui o FIES e o ProUni, já que estes não são despesas primárias. Dito de outra forma: A parte dos gastos em educação afetados pela proposta concerne, em essência, aos institutos federais e as universidades públicas – estas que, como mostram os dados, concentram renda.
Dito isso, nada impede o Congresso de gastar mais com essas áreas; isso porque a PEC não estabelece um limite para gastos individuais, mas apenas para o total de gastos. Para gastar mais em alguma coisa, basta cortar gastos em outros lugares.
Como estaríamos hoje
Um pequeno exercício contra-factual (com algumas limitações, claro) nos permite avaliar como estaria o Brasil, hoje, se tivéssemos adotado a PEC lá atrás, em 2005, quando fora proposta.
Veja nos gráficos abaixo. Tivesse o Brasil adotado-a em 2005, já valendo para o ano seguinte, hoje teríamos uma relação dívida bruta/PIB em torno de 9%.
Nossa dívida líquida, por sua vez, seria negativa: -27,7%. Pois é: exatamente o que você leu, caro leitor: negativa!
O superávit primário (que é a economia do governo para pagar os juros da dívida) do governo central teria atingido incríveis 8,5%. Com um país menos endividado e com gastos controlados, seria possível uma expressiva redução da carga tributária, dado que um superávit desse tamanho não é necessário.
Veríamos, hoje, taxas de juros menores, inflação controlada, mais empregos, investimentos e, por consequência, mais produtividade, o que levaria a maiores salários.
O resultado nominal (que é a diferença entre receitas e despesas do governo, considerando o gasto com juros) do setor público teria se tornado positivo em 2009.
Num passado não muito distante, falava-se em déficit nominal 0. Hoje, isso parece muito distante da realidade.
Sem sombra de dúvidas seríamos hoje, no mundo, um exemplo de responsabilidade fiscal.
Restos a pagar
Uma situação amargamente corriqueira, hoje, é aquela em que o governo aprova um montante de despesas a serem empenhadas (isto é, “reserva dinheiro para despesas”) de, digamos, R$120. Então, o governo contrata despesas no valor de R$120; o problema é que, vendo que só conta com R$90 disponíveis em caixa, ele efetua pagamentos de apenas R$90, e acumula R$30 em restos a pagar para o ano seguinte. Ao todo, já são R$180 bilhões em restos a pagar de exercícios anteriores. Marcos Mendes explica isso detalhadamente aqui.
Tendo isso em vista, a PEC também proíbe que o governo aprove orçamentos acima de sua capacidade de caixa, acumulando restos a pagar para o futuro. Um exemplo: suponha que o governo possa gastar, em 2017, em termos de caixa, apenas R$100. A PEC impede o governo de aprovar despesas a serem empenhadas em montante superior à sua disponibilidade de caixa (no caso, R$100).
Segundo o próprio Marcos Mendes, esse projeto representa a revolução do 2+2 = 4.
O que vem a seguir?
A PEC 241 não é uma bala de prata, capaz de resolver todos os problemas nacionais. Após sua aprovação, será necessário aprovar a reforma da Previdência; do contrário, o Novo Regime Fiscal não se sustenta.
Sem a Reforma da Previdência, será impossível, para o governo, manter-se dentro do teto sem realizar grandes cortes em outras áreas – já que, hoje, os gastos com previdência correspondem a mais de 45% do gasto total do governo central.
Outras reformas que desatem os nós e gargalos da economia brasileira, e nos coloquem numa rota de maior crescimento, virão à frente. É o caso da abertura comercial, da reforma tributária e da reforma trabalhista; isso tudo, porém, foge ao escopo deste texto.
Conclusão
A PEC 241 é a melhor saída para a crise fiscal em que nos encontramos. Ao invés de fazer um ajuste brusco e doloroso, a Emenda à Constituição dilui esse ajuste ao longo dos próximos 20 anos. Com uma política fiscal mais racional, a confiança em relação à solvência do governo aumenta, derrubando os juros de longo prazo. A isso, dá-se o nome de “ancoragem das expectativas” – que também acontece com a inflação.
Os dados mostram que, com ela, teremos espaço futuro para cortes de impostos e redução do peso do Estado sobre as famílias e empresas. O reequilíbrio das contas públicas, assim como a redução de impostos, permitirá uma maior capacidade de poupança, o que resultará em juros menores, mais investimentos, produtividade maior e, por consequência, salários mais altos e redução da pobreza.
E, ao contrário do que se propaga, essa proposta é de interesse da maioria invisível – aquela que não escreve em jornais, não vai à TV e não faz lobby no Congresso -, e contraria minorias e corporações organizadas, que causam grande impacto orçamentário.
Dezenas de textos já foram escritos sobre a PEC 241, tanto a favor, quanto contra. Alguns, honestos e sérios; outros, completamente mentirosos e desconectados da realidade. Este, por sua vez, é uma tentativa de contribuir ao debate construtivo, em favor do Brasil, bem como de fazer um pedido: Os críticos da PEC 241 estão convidadíssimos a apresentarem uma proposta menos dolorosa para financiar gastos que crescem, anualmente, 5,8% em termos reais. O Brasil agradece desde já.