Um dos políticos mais respeitados do país, o senador Cristovam Buarque (PPS) diz, em entrevista exclusiva à Tribuna, que o Brasil atravessa um dos momentos mais críticos da sua história. Para ele, “a República está enlouquecida” e “as instituições abaladas”. Embora acredite na sobrevivência da democracia, seu tom é pessimista quando se refere ao possível governo de Michel Temer. “Começo a temer quando vejo a lista dos ministros que ele pode escolher; quando vejo como está sendo constituído o governo dele, por partidos e não por pessoas; quando vejo que, aparentemente, alguns ministros sairão de partidos como resultado de compromissos que ele assumiu na votação da Câmara pelo impeachment”, declara.
Na entrevista, o senador também comenta o futuro da economia brasileira, o afastamento de Eduardo Cunha da Câmara dos Deputados e ainda se arrisca a fazer algumas previsões sobre o cenário político nos próximos anos. Para ele, que trocou recentemente o PDT pelo PPS, justamente por discordar dos rumos que o partido estava tomando sob o comando de Carlos Lupi, o senador passou a defender junto com outros colegas de Parlamento a antecipação das eleições. “Porque a única forma de retomarmos a credibilidade plena é fazer o povo votar. Segundo, porque a única maneira de fazer opositores apertarem as mãos é por meio de eleição.
No dia seguinte à eleição, há uma lua de mel na sociedade inteira. E, terceiro, porque quando observamos ao redor, a contaminação está muito grande na linha sucessória. Uma eleição direta forçaria o surgimento de outros nomes ou, se forem os mesmos, irão com o respaldo da população”, enfatizou.
Confira entrevista exclusiva:
Tribuna – Como o senhor avalia esse momento da política brasileira? Tenso?
Cristovam Buarque – Uma sensação que se tem é que a República está enlouquecida, tremendo, sem saber como se reconstituir. E eu explico: um governo que não tem apoio, toda a linha sucessória está contaminada, o Poder Legislativo perdeu a chance de fazer o que deveria em relação às suspeitas que pesavam sobre o seu presidente, e agora tem que se submeter ao Poder Judiciário. Então estamos em um grande imbróglio, essa é a palavra. O Legislativo depende do Judiciário, o Judiciário depende do Legislativo e aparece com conflitos internos divulgados pela mídia.
Tribuna – Na visão do senhor, foi a política, a economia ou a roubalheira que derrubou a presidente Dilma?
Cristovam Buarque – É uma soma de fatos. Primeiro foram erros na política. Dilma não faz política. Poderia até se sair bem em uma ditadura, sozinha, mandando. Segundo, cometeu muitos erros na economia, e não foi por falta de alertas repetidos insistentemente. Terceiro, ela usou instrumentos para ganhar a eleição, e, passada a eleição, teve que cumprir o impossível, porque era só demagogia, marketing. E finalmente, como você mesmo lembrou, a corrupção. A Operação Lava Jato, jogando lama ao redor dela. Tudo isso fez com que a presidente perdesse apoio, a ponto de mais de 75% dos deputados votarem pela sua destituição.
Tribuna – O senhor acredita que ela pode vir a renunciar?
Cristovam Buarque – Ela tem insistido que não renuncia, e não vejo por que o faria. Creio que na estratégia do PT, olhando para 2018, eles precisam do que chamam de “narrativa do golpe”. O Lula precisa da bandeira do golpe para circular pelo Brasil pedindo a volta da democracia. Se Dilma renunciar, o PT e o Lula perdem essa bandeira. Por isso, acredito que ela não renunciará.
Tribuna – O senhor vê algum tipo de risco à democracia caso o impeachment passe no Congresso?
Cristovam Buarque – Não vejo por quê. Seria o mesmo risco quando caiu o presidente Collor. A diferença é que agora haverá manifestações mais intensas contra Temer, porque Collor não tinha partido, não tinha militantes. O PT os tem.
Tribuna – As instituições estão fortalecidas ao ponto de passar por toda essa turbulência?
Cristovam Buarque – Elas estão fortalecidas, mas são frágeis. É uma contradição. Estão fortalecidas no sentido de que não há uma ameaça, mas são frágeis porque não estão funcionando bem. A omissão do Legislativo na hora de fazer o que deve ser feito, a incapacidade de o Executivo de se relacionar bem com o Legislativo — tudo isso faz com que as instituições estejam frágeis, mas longe de qualquer ameaça. É como uma geleia sólida, mas sem o risco de quebrar.
Tribuna – O senhor acredita que o impedimento da presidente Dilma passará no Senado da mesma forma que passou na Câmara?
Cristovam Buarque – A admissibilidade passará. O impeachment, todos dizem que passará, mas pode passar ou não. Porque o PT, querendo ou não, tem 20 votos a favor de Dilma. Tem o PCdoB, parlamentares do PSB, alguns independentes… Se Temer cometer erros que afastem apoiadores dentro do Senado, se Temer não conseguir recuperar a economia, o emprego, é possível que a presidente Dilma volte. Mas se voltar, estará muito frágil.
Tribuna – O que esperar de um eventual governo de Michel Temer?
Cristovam Buarque – Essa é uma pergunta muito boa, mas acho que não sei como responder. Vamos lembrar que o verbo “esperar” tem dois sentidos. Podemos dizer “esperar” para expressar aquilo que a gente deseja, ou dizer “esperar” como aquilo que imaginamos que acontecerá. O que eu gostaria de ver no governo Temer, em primeiro lugar, seria ele retomar a confiança da Presidência, para que as pessoas brasileiras sintam-se relativamente unificadas. Segundo, retomar a tolerância, o respeito mútuo. Como eu costumo dizer: “Fazer com que os que divergem se apertem as mãos”. Terceiro, o equilíbrio das contas públicas, para que tenhamos uma redução da taxa de juros. Quarto, manter os projetos sociais que estão em andamento. Quinto, enviar para o Congresso Nacional algumas reformas que o Brasil espera há tanto tempo e que poderiam ser a marca dele. Uma reforma fiscal, uma reforma política, a reforma do Estado. Isso é o que espero como desejo. Já no que espero como projeção do que pode acontecer, começo a temer quando vejo a lista dos ministros que ele quer escolher; quando vejo como está sendo constituído o governo dele, por partidos e não por pessoas; quando vejo que, aparentemente, alguns ministros sairão de partidos como resultado de compromissos que ele assumiu na votação na Câmara pelo impeachment… Aí, o esperado fica com uma luz amarela.
Tribuna – Como o senhor vê esse loteamento político que promete marcar o governo Temer? Uma repetição de erros?
Cristovam Buarque – Acho que é uma repetição de erros muito graves. A Dilma e o Lula erraram com isso, e, aparentemente, o erro continuaria, tanto no método quanto nas pessoas. Se você olhar bem todos os ministros que o Temer está escolhendo, ou já foram ministros da Dilma ou do Lula ou estiveram muito perto. Então fico preocupado.
Tribuna – O vice-presidente Michel Temer terá fôlego para tirar o país da crise em que está inserido hoje?
Cristovam Buarque – Ele tem uma vantagem. A crise é tão séria e está tão perto do fundo do poço, que a economia se recuperaria até com a Dilma. Aparentemente, o capital está disponível no Brasil, basta colocar confiança. Colocando confiança, haverá investimento. Por outro lado, no mundo de hoje, quando uma empresa demite um trabalhador, mesmo quando volta a investir, não contrata mais o mesmo número, fazendo o que se chama reengenharia. Ela aproveita a demissão para se reorganizar tecnologicamente e precisar de menos empregados. Então vejo com pessimismo a recuperação do emprego dos 11 milhões e 400 mil trabalhadores.
Creio que é possível parar, estancar, e recuperar certa margem de emprego. Mas a recuperação plena vai ser no longo prazo se fizermos o dever de casa da educação. Caso contrário o Brasil continuará sendo um país com um número muito grande de desempregados. Parte pela irresponsabilidade e incompetência da senhora Dilma Rousseff, parte pela realidade do avanço tecnológico.
Tribuna – O ex-presidente Lula foi formalmente denunciado ao Supremo Tribunal Federal. Se ele for preso, poderá haver uma convulsão social? O senhor acredita que ele pode vir a ser preso?
Cristovam Buarque – Não tenho a menor ideia se ele vai ser preso. Tendo a dizer até que é difícil. Agora, convulsão social, só aconteceria se não houvesse uma clareza da razão. É diferente prender um político ou ter um político preso. Se passar para a opinião que a Justiça prendeu um político, pode sim haver uma convulsão. Mas se passar a impressão de que tem um preso que é político, mas está preso por outras razões legais, não creio que haja convulsão.
Tribuna – Por que o senhor defende a antecipação das eleições?
Cristovam Buarque – Porque a única forma de retomarmos credibilidade plena é fazer o povo votar. Segundo, porque a única maneira de fazer opositores apertarem as mãos é por meio de eleição. No dia seguinte à eleição, há uma lua de mel na sociedade inteira. E, terceiro, porque quando observamos ao redor, a contaminação está muito grande na linha sucessória. Uma eleição direta forçaria o surgimento de outros nomes ou, se forem os mesmos, irão com o respaldo da população. Seria fácil, pois em outubro teremos eleições municipais, apenas colocaríamos mais uma linha: além de prefeitos e vereadores, o presidente e o vice.
Tribuna – O senhor é um dos poucos políticos no Congresso que têm uma trajetória irretocável. O senhor será candidato no próximo pleito?
Cristovam Buarque – Acho pouco provável. É difícil que eu seja candidato depois do terremoto do impeachment. Vou votar pela admissibilidade.
E, qualquer que seja a minha opção, o impacto eleitoral para mim será muito forte. E negativamente, porque a população quer o impeachment. Mas a minha base política tradicional, as forças progressistas, comprou a ideia de que o impeachment é golpe. Isso é falso. O impeachment está transcorrendo com clareza. Não existe conspiração sendo transmitida em cadeia nacional pela televisão. É transparente, público. Mas essas forças, dentro das progressistas, uma esquerda nostálgica, consideram que é golpe. Então se eu me convencer de que o melhor para o Brasil é o impeachment e votar nesse sentido, eu perderia muito apoio. Mas se eu me convencer de que não é o melhor, perco muitos votos da população. Sempre digo que tem os eleitores das urnas e os eleitores da mesa, os amigos, os conhecidos. No meu caso, há um divórcio entre os dois. Por isso é melhor eu não pensar eleitoralmente, mas como um estadista, e no que é melhor para o país.
Tribuna – E se a população clamar por um nome como o do senhor?
Cristovam Buarque – Não sei se haverá a possibilidade de a população clamar pelo meu nome. Mas na política brasileira, não adianta a população clamar o quanto quiser se não houver um partido que apoie. Tudo passa pelo partido. Aí veríamos se o meu partido aceitaria.
Tribuna – Como o senhor vê a decisão do Supremo de afastar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha?
Cristovam Buarque – Por um lado, com alegria, e até sentindo que foi uma decisão tardia, já deveriam ter feito isso há muito tempo. Por outro, com uma preocupação com a saúde da República, porque foi preciso o Poder Judiciário interferir no Poder Legislativo. Esse senhor Cunha deveria ter sido cassado há muito tempo pelos seus pares, os deputados. Não deveríamos ter deixado chegar ao ponto de o Supremo fazer aquilo que era tarefa do Poder Legislativo.
Tribuna – Foi um erro do PMDB e do próprio Michel Temer em insistir na manutenção de Eduardo Cunha no comando da Câmara?
Cristovam Buarque – Era um erro grave, mas esse erro começou na Dilma. Ela poderia ter evitado Cunha, mas não o fez porque não quis apoiar um candidato à presidência da Câmara que não fosse do PT. Havia um bom candidato na época, que era do PSB de Minas Gerais, mas não quiseram apoiar. Insistiram no apoio a um candidato do PT e o resultado foi que Cunha se elegeu. Da mesma maneira, o Senado poderia ter tido um grande presidente, o Luiz Henrique, de Santa Catarina. Já tínhamos os votos necessários para elegê-lo, inclusive de senadores do PT, e o senhor Lula ‘baixou’ aqui uma noite e disse que o PT votaria em Renan Calheiros. E elegemos Renan Calheiros.
Tribuna – O PT sofrerá impactos dessa crise já nas próximas eleições?
Cristovam Buarque – Por incrível que pareça, o melhor que pode acontecer futuramente ao PT é o impeachment de Dilma. Primeiro, o impeachment vai fazer com que o PT não seja responsabilizado pelos arrochos dos próximos dois anos. Segundo, vão poder jogar a culpa no Temer e fazer oposição como sabem fazer. Terceiro, o Lula terá a bandeira do impeachment para sair por aí defendendo a volta da democracia e dos seus programas.
Tribuna – Qual a mensagem que o senhor deixa para a população da Bahia nesse momento de crise e desesperança?
Cristovam Buarque – Que sinto falta do baiano Ruy Barbosa. Primeiro, ele expressava competência, lucidez. Segundo, o espírito público, colocando o interesse da pátria na frente dos interesses específicos do seu grupo, do seu partido ou mesmo da sua reeleição.
Colaboraram: Fernanda Chagas e Guilherme Reis. Tribuna da Bahia.