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Pandemia x ignorância: semelhanças e diferenças no Brasil atual e de 1904 contra vacinação

Manifestantes contra vacina. Briga ideológica atrapalhando vacinação.

Regredimos aos séculos 18 e 19, quando surtos de doenças como febre amarela, peste bubônica e varíola eram comuns no Brasil. Boa parte dessas enfermidades foi controlada após a criação de vacinas, mas esse processo não foi tão simples. Por questões políticas, medo e Fake News (sim, elas existem desde sempre), pessoas foram às ruas protestar no que entrou para a história como a Revolta da Vacina, que aconteceu entre 10 e 16 de novembro de 1904.

Na guerra contra a covid-19, a ignorância tem atrapalhado o avanço da ciência com as mesmas ideias retrógadas, apensar de vivermos na era tecnológica.

Acredite: são as mesmas frases de 100 anos usadas nos dias atuais para atrapalharem a vacinação, além das teorias imaginarias das conspirações. Alguém sempre quer dominar o mundo e criou o vírus. Frades usadas no século 18, como: o fabricante não se responsabiliza; essa vacina não estar pronta; é coisa do satanás; tenho minha liberdade de tomar ou não algo que não conheço; essa vacina muda o DNA das pessoas, são algumas das frases usadas no passado que voltaram com força nas redes sociais.

Manifestantes chegaram a defender remédios sem eficácia.

As redes sociais recebem todos os tipos de falsas alegações sobre as vacinas contra a Covid-19. Há mentiras de todos os tipos: de fórmula na vacina que contém microchips para serem inseridos nas pessoas, ou que o imunizante poderá alterar o código genético nas células, ou até que a vacina contra a Covid-19 poderá fazer a população adoecer ou desenvolver outras doenças.

A mais bizarra de todas é a de que os fabricantes não se responsabilizam. Essas pessoas ainda não sabem que qualquer remédio haverá a observação do uso na prescrição médica, isentando o fabricante no uso. A frase ganhou a mente dos negacionistas, que parecem nunca terem tido acesso a bulas de medicamentos. Ainda há os que usam o nome de Deus para desencorajar a vacinação, utilizando trechos bíblicos como o do livre arbítrio, negando-se a imunização.

Na atualidade, os especialistas sanitaristas, pesquisadores cientistas, estão perdendo para os doutores graduados em vídeos nas redes sociais. A ciência alerta que, assim como nas revoltas do passado, a ignorância x ciência, será escrita nos livros da história como genocidas voluntários contra a evolução cientifica. Nunca mais na história as pesquisas e produção de uma vacina levarão mais que dois anos para serem liberadas após todo processo de testes, mediante ao avanço tecnológico e o número de países que possuem condições de investimentos em pesquisas, diferente dos séculos 18 e 19.

Vacinação avança de forma desigual no Brasil

A vacinação contra a Covid-19 no Brasil tem avançado de forma desigual pelo país. Enquanto há cidades que já estão aplicando a dose de reforço em adultos e a primeira dose em crianças, outros municípios só conseguiram completar o esquema vacinal de cerca de 20% de sua população.

Secretários de saúde e especialistas apontam a desinformação, a influência de líderes religiosos contra a vacinação e o difícil acesso a regiões isoladas como alguns dos motivos para a estagnação da imunização em algumas cidades do país. Os negacionistas usam o nome de Deus, Família e Liberdade de expressão para massacrarem a ciência.

As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o norte de Minas Gerais e o sul da Bahia são as áreas de maior concentração de não vacinados, segundo o último levantamento do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz (Icict/Fiocruz).

Revolta da Vacina: semelhanças e diferenças no Brasil de 1904 e 2020

Contexto da obrigatoriedade da vacina é diferente, mas fake news sobre imunizantes aproxima Brasil de hoje com o do início do século passado. Luta contra uma grave epidemia, guerra entre informações verdadeiras e falsas, negacionismo e uma população desconfiada de uma simples picada no braço. O ano parece ser 2020, mas estamos falando de 1904, data em que ocorreu a Revolta da Vacina.

O motim popular do início do século passado teve como estopim a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. 116 anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o assunto, com o julgamento sobre a obrigatoriedade da vacina contra a covid-19 no próximo dia 16.

“O mote daquela época foi a vacinação forçada, quando os agentes invadiam as casas para obrigarem as pessoas a se vacinar, mas existiam também outras questões políticas, como a ideia de depor o governo, o tratamento dado aos pobres.  A vacinação era feita pela brigada sanitária, quando os profissionais entravam na casa das pessoas e vacinavam à força todos que lá estivessem.

A população reagiu: 30 pessoas morreram, 110 ficaram feridas e quase mil foram presos, em meio a casas apedrejadas, bondes tombados, fios de iluminação pública cortados, barricadas.

Outra diferença entre 1904 e a partir de 2020 está no grupo que apoia a ciência e os que são antivacina. “Tínhamos um presidente que era pró-vacina e intelectuais que desacreditavam no imunizante”, resume a médica sanitarista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lígia Bahia.

Para ela, o motim de 1904 deixou lições importantes, como o envolvimento da população nas ações de saúde pública e a eficácia das vacinas na longevidade humana. “Uma revolta como aquela não deve acontecer novamente. O que a gente pode ter hoje é uma revolta pela vacina e não contra ela.”

Tanto que mais de 70% dos brasileiros afirmam que vão participar da vacinação contra a Covid-19. Mas esse número vem caindo e entre as razões está a disseminação das fake news, também presente no movimento do século passado.

À época, a população acreditava que a vacina era uma forma de controle do governo e matava as camadas mais pobres da sociedade.

“Existem vacinas mais tecnológicas como a da Pfizer com a BioNTech, que trabalha com o RNA [do inglês RiboNucleic Acid, um tipo de ácido nucleico] mensageiro, com a proteína ‘spike’ do vírus retirada da coroa da Covid-19. A vacina da Oxford, é produzida a partir do adenovírus, um vírus que causa resfriado em chimpanzés.

Temos também como exemplo a Coronavac, da empresa chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, que trabalha com o vírus inativado do Sars-Cov-2. “Nenhuma delas altera o nosso DNA, porque elas não entram no núcleo, não nos contaminam pela doença, não têm chip implantado”, reforça Luiz Carlos Dias, professor do Instituto de Química da Universidade de Campinas (Unicamp).

“Todas as vacinas, seja de qualquer nacionalidade, passam por uma fase de testes muito rigorosa. Nenhuma delas é aprovada sem que tenha eficácia e segurança comprovada. O objetivo da vacina é induzir uma resposta do organismo àquele corpo estranho, enganar o sistema imune para que se tenha uma resposta em termos de produção de anticorpos, essa resposta imunológica”, completa o professor da Unicamp.