Dado Galvão, 38 anos, é um documentarista de Jequieense, que dedica sua carreira a questões latino-americanas. Ele resolveu fazer um documentário sobre a Venezuela e, para conseguir entrar no país de onde tanta gente foge, precisou se vestir de padre. A camisa clerical serviu de disfarce para enganar o regime, gravar vídeos com a população, opositores do ditador Nicolás Maduro e até com o autoproclamado presidente Juan Guaidó. Mas o fato é que o documentário de Dado está enrolado.
As entrevistas foram feitas em 2019, e ele só vai finalizar a produção quando a questão da Venezuela for resolvida — mas não há qualquer sinal de solução. O ativista tem noção do problema e acha que somente uma roupa religiosa “original” (e muito mais pesada) pode encaminhar uma saída: ele trabalha para levar o Papa Francisco à fronteira entre Brasil e Venezuela.
Para tentar convencer o chefe da Igreja Católica a viajar 8,5 mil quilômetros entre o Vaticano e Roraima, Dado tem escrito cartas a todas as pessoas influentes com quem já cruzou — e mais algumas que nunca viu na vida. A lista inclui 28 personalidades: seis religiosos católicos, dois religiosos protestantes, 18 políticos e dois apresentadores de televisão — José Luiz Datena e Luciano Huck.
“Eu sou limitado, mas um parlamentar ou um senador tem mais ferramentas do que eu”, explica ao TAB. Na hora de tentar convencer o papa, Dado não faz distinção entre direita e esquerda. Procurou Eduardo Suplicy (PT-SP), Alvaro Dias (Podemos-PR) e a pré-candidata a presidente Simone Tebet (MDB-MS). Tamanho esforço se justifica porque, na cabeça do documentarista, a vinda de Francisco traria visibilidade a uma crise migratória que caiu no esquecimento. Ele tem esperança de que artistas e intelectuais se engajem na causa. “Eu não sei como que vai ser o acolhimento, mas a ideia é tirar este pessoal do marasmo”, reflete.
Dado ainda escreveu duas cartas extras que foram enviadas direto ao Vaticano. Uma tem o embaixador do Brasil na Santa Sé como destinatário e a outra é para o próprio Papa Francisco. Até o momento, ele recebeu respostas apenas de chefes de gabinetes dizendo que o assunto seria despachado mais tarde pelos patrões.
Fantasiado de religioso
Dado não passou 15 dias na Venezuela encenando o papel de padre sem ter referências religiosas. Ele participara da pastoral carcerária e estudava teologia. Mas os dias de notoriedade que viveu foram consequências de outra obra: um documentário sobre Cuba e Honduras.
Na ocasião, ele conversou com a blogueira Yoani Sanchéz e decidiu que exibiria a produção somente com a presença da entrevistada na sessão de estreia. A ditadura cubana não liberou a saída dela do país e a questão rendeu muita polêmica. Quando Yoani conseguiu chegar ao Brasil, a sessão precisou ser interrompida porque o espaço Parque do Saber, em Feira de Santana (BA), foi invadido por simpatizantes de Fidel Castro, que ainda estava vivo naquele fevereiro de 2013. Os manifestantes seguravam cartazes chamando a blogueira de traíra, mercenária e falsa.
A experiência com ditaduras se repetiria a partir de 2015, ano em que Dado leu uma notícia sobre as pessoas presas na Venezuela. Naquele momento, elaborou o conceito do documentário que se chamará “Missão Ushuaia”, uma referência à suspensão da Venezuela do Mercosul — a medida enfatizou o caráter democrático do Mercosul e justifica a saída do regime de Maduro por causa da ruptura com a ordem democrática. A primeira providência para fazer o documentário foi visitar escolas de Jequié e pedir que os alunos escrevessem cartas aos imigrantes. Na sequência, ele viajou a Pacaraima, cidade de Roraima que fica na fronteira, e entregou a correspondência. “Os venezuelanos chegavam tão frágeis que eu entregava carta e, antes de abrir o envelope, começavam a chorar”. Continue a leitura, clique aqui.