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Cissé supera tragédia familiar e pede mais técnicos negros no futebol

Aliou Cissé perdeu 11 familiares em um naufrágio na África em 2002 (Foto: AFP)

Dentre os 32 comandantes desta Copa do Mundo de 2018, o senegalês Aliou Cissé foi quem mais chamou atenção nesta 1ª rodada do Mundial. Dreads, gestos que já viraram memes e uma história de superação que o coloca num importante papel de representatividade em um meio que ainda possui uma enorme soberania branca.

De todas as 32 seleções desta Copa, somente Senegal é comandando por um negro. O ex-capitão da seleção senegalesa que fez história na Coréia e no Japão em 2002, também possui o menor salário dentre os técnicos deste mundial. Segundo publicação do jornal inglês `The Guardian`, o técnico de Senegal ganha 175 mil libras por ano, o que daria cerca de R$ 900 mil, menos que qualquer técnico da Série A do Brasileirão.

Em nível de comparação, o técnico Tite da Seleção Brasileira, terceiro maior salário da Copa, recebe 16 vezes mais que o comandante da seleção de Sadio Mané. Cissé defendeu Senegal até 2005 dentro de campo e após ser auxiliar técnico em 2013, comandou o Sub-23 de Senegal por 2 anos, até receber o convite para comandar a seleção principal do seu país. Aos 42 anos, o técnico mais jovem da Copa entende a dificuldade dos países africanos em bater de frente com as potências europeias e sul-americanas, mas acredita que o primeiro passo para o fortalecimento do futebol no continente, é a consolidação dos jovens técnicos africanos.

“Estou certo de que um dia um país africano vencerá a Copa do Mundo. Há cerca de 25 anos atrás, os países africanos vinham regularmente para fazer parte da Copa do Mundo. Eu acho que as coisas se desenvolveram, mas é mais complicado em nosso continente – temos realidades que não são evidentes em outros continentes. Confiamos no nosso futebol, não temos complexos, temos grandes jogadores, agora precisamos de treinadores africanos para o nosso futebol ir em frente’’, afirmou o técnico em entrevista coletiva na Rússia.

“Sou o único treinador negro neste torneio. É uma realidade dolorosa que me incomoda. Acredito que o futebol é universal e que a cor da pele tem pouca importância no jogo”, acrescentou Cissé. Tanto no futebol brasileiro quanto no Mundial é raro ver técnicos negros nos bancos de reservas. Assim como em diversos outros setores da nossa sociedade, não há espaço para a consolidação de negros em cargos que modificam e confrontam o padrão.

Até as outras três seleções africanas na Copa (Nigéria, Marrocos e Egito) são comandadas por técnicos nascidos na Alemanha, França e Argentina respectivamente. Em entrevista aos jornalistas antes do confronto de estreia diante da Polônia, Cissé fez questão de lembrar do amigo Florent Ibenge, técnico negro que não conseguiu classificar Congo para a Copa, mas que deu o título da Copa Africana de Nações à República em 2016.

“Além de sermos bons jogadores, somos muito bons em nossas táticas e temos o direito de fazer parte dos principais jogos internacionais. Eu represento uma nova geração que gostaria de ter o seu lugar no futebol africano e mundial”, finalizou o técnico. Cissé perdeu 11 familiares na tragédia da balsa Le Joola, naquele que foi um dos maiores desastres navais da história. A embarcação, superlotada, afundou ao longo da rota Ziguinchor, em Casamance, rumo à capital senegalesa, Dacar. Pelo menos 1.893 africanos morreram em setembro de 2002, dois meses após a campanha histórica de Senegal na Copa. O técnico transformou a tristeza em força e após o desastre, organizou um jogo de caridade entre Senegal e Nigéria em homenagem as vítimas do naufrágio. Cissé ainda doou cinco mil libras para ajudar as famílias mais prejudicadas com a tragédia.

Fornecido por Areté Editorial S/A